segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Entrevista com Maquiavel (depois de Mino Carta)


Depois de uma entrevista feita há dois anos atrás pelo jornalista Mino Carta (http://soycontra.blogspot.com/2007/08/entrevista-com-maquiavel-por-mino-carta.html), o grande pensador Niccolo Macchiavelli, vulgo Maquiavel, está dando mais uma entrevista na blogosfera.


Salada de Assuntos: É uma honra ter o senhor conosco, sr. Maquiavel.

Maquiavel: Em primeiro lugar, é bom saber que minhas idéias despertam o interesse entre os usuários desta invenção chamada Internet. Só lamento que elas sejam tão mal interpretadas.

S. de A.: Pode nos explicar sobre isto?
Maquiavel: O vulgo continua a me interpretar como se eu fosse o representante de tudo o que acontece de ruim na administração pública. E não só isso: meu nome está associado à perfídia, à deslealdade, de toda a natureza. Trata-se de uma visão simplista.

S. de A.: Quer dizer que não é bem assim como as pessoas pensam?
Maquiavel: Exatamente. Não fui eu o idealizador de um governo sórdido e traiçoeiro. Governos dessa natureza existem desde o começo da organização das sociedades humanas. Eu apenas analisei a administração pública desde a antiga Roma até minha época, isto é, quando publiquei meu livro, Il Principe. Procurei compreender as razões de se conquistar o poder e quais as maneiras mais adequadas de se manter nele.

S. de A.: Isso lembra o princípio de que 'os fins justificam os meios'.
Maquiavel: Não é possível resumir as minhas idéias apenas em frases. É certo que, para atingir os melhores objetivos, os meios muitas vezes têm importância menor. Constatei que, em minha época, os governantes, para se fazerem respeitar, devem estar prontos para tomar medidas que os valores do senso comum não aprovam. Quando for necessário, é preciso sim utilizar-se da astúcia ou da força. Mas um bom governante não pode valer-se apenas disso. A prioridade é o bem público, e não os interesses particulares.

S. de A.: Então podemos dizer que o governo brasileiro não segue a sua doutrina...

Maquiavel: Os governos de sua época, em geral, não seguem a minha doutrina porque estão influenciados por outras idéias. Ao longo de todos estes anos, surgiu o Iluminismo, a Revolução Francesa e a tomada do poder pela classe que foi apelidada de 'burguesia'. Hoje não há famílias nobres que governam um Estado.

S. de A.: Entretanto, temos várias acusações de que atitudes em geral, e principalmente dos detentores do poder político ou econômico, são acusados de 'fazer maquiavelismo'.

Maquiavel: Isto remete novamente à visão equivocada das minhas idéias. Detentores de poder político ou econômico sempre se valem de medidas para assegurarem os seus interesses. Isso aconteceu séculos antes de mim, desde o começo da humanidade.

S. de A.: Muitos sonham com um mundo igual para todos, sem miséria, desigualdade ou injustiça...

Maquiavel: (Risos) Pois está muito certo em adotar o termo 'sonham'. Pois um mundo sem miséria e sem injustiça é, infelizmente, um sonho, uma quimera. Sua época está muito influenciada pelos desvarios do séc. XIX, que tentam formular meios de distribuição igualitária dos recursos entre as pessoas. Ora, existem diferenças, e muito grandes, nos talentos e habilidades entre os seres humanos. Se tentarem, por decreto, distribuir os bens de uma nação a toda a sua população, de forma igualitária, alguns sempre usarão seus talentos e sua visão para terem mais bens, ainda que isso signifique tomá-los de seus compatriotas. E não demorará sequer um ciclo lunar para haver de novo uma situação de grande desigualdade. Outro exemplo de que estou certo são os regimes que adotaram as idéias do alemão Karl Marx, o mesmo filósofo que formulou um governo formado pelos trabalhadores, o 'proletariado'. Degeneraram em governos discricionários, onde uma oligarquia deteve o poder enquanto a maioria da população ficou entregue a um pensamento ilusório, enquanto sofriam todo tipo de opressão e privações.

S. de A.: O governo brasileiro, no passado, adotou idéias de Marx.

Maquiavel: Ele as abandonou por notar que não condiziam com a realidade de seu país, aliás de pais nenhum. Tenho notado a figura de seu presidente. É errada a noção de que seja uma pessoa ignorante e sem sofisticação intelectual. Mesmo entre o que se convenciona chamar de 'elite', seu governante apresenta grande clareza de espírito. Sabe muito bem como conduzir e influenciar as pessoas, tem muito carisma. Apesar de apresentar várias idéias que contradizem o bom senso, sabe como impor seu ponto de vista. Sabe das necessidades de seu povo e das maneiras de resolvê-las, ou principalmente, de administrá-las. No passado, na minha época, na época dos senhores, tudo isso faz as características de um grande governante.

S. de A.: Sua avaliação sobre o governo Lula pode, então, ser considerada positiva.

Maquiavel: Como já disse antes, os governantes devem visar sobretudo os interesses da Nação. Muitas vezes o governo brasileiro age no sentido de defender apenas os seus interesses, o que é muito natural entre os detentores do poder, embora se saiba que a ganância excessiva seja tão danosa a um indivíduo quanto a falta dela. O governo brasileiro está loteado, com excesso de pessoas sem preparo para exercer seus cargos, e está apoiado em pessoas públicas pouco interessadas em fazer uma administração séria.

S. de A.: Qual o conselho que o senhor daria aos detentores do poder no século XXI?

Maquiavel: Primeiro, devo fazer uma breve análise sobre o século XXI. Sua época é muito mais complicada do que a minha. No século XVI, havia menos gente, e portanto menos necessidades a serem administradas. A ciência era rudimentar, frente ao grande conhecimento acumulado ao longo do tempo. Já havia a noção de que a Terra era uma esfera, ao contrário do que se prega em sua época em relação à minha, mas nada se sabia sobre todas essas teorias complicadíssimas, das quais não posso comentar, em relação à Matemática, à natureza das coisas, ao funcionamento de suas máquinas. Assim como no século XVI, as pessoas do século XXI não são perfeitas. Quando não existe algum fator externo para coibí-las, elas são capazes de fazer atrocidades. Antes, podíamos arrasar com várias cidades, saquear e matar populações inteiras, com o limitado conhecimento do passado. Agora, é possivel exterminar toda a vida existente no mundo. Quanto aos governantes, tudo o que posso recomendar é que sejam sensatos e realistas, com capacidade de administrar conflitos e interesses, e não se deixem levar apenas por anseios imediatos e vaidades pessoais.

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