A mídia aparentemente cansou de expor de forma muitas vezes melodramática a tragédia das chuvas. Depois de noticiar a morte de 847 pessoas, jornais e sites pararam aparentemente de fazer a contagem. Apesar das buscas pelos desaparecidos continuarem junto com a reconstrução das áreas atingidas pela chuva, o foco da imprensa mudou. Já não cobram mais providências contra o descaso dos governos nem colhem depoimentos sobre pessoas sem lar ou que perderam seus filhos nas tragédias.
Desta vez os holofotes voltaram-se para os protestos contra a ditadura de Hosni Mubarak no Egito. A polícia reprimiu ferozmente os manifestantes, enquanto o Ocidente teme um vazio de poder, ocupado por extremistas islâmicos, representados pela Irmandade Muçulmana, no país da Esfinge. Toda a atenção dada ao Egito se deve a vários fatores, entre os quais:
1. O canal de Suez, faixa entre o Mediterrâneo e o Mar Vermelho por onde passam valiosas mercadorias da Europa para a Ásia, é controlado pelo Egito.
2. O processo de paz entre Israel e os territórios palestinos teve Mubarak como mediador e sem ele os conflitos podem piorar. No caso da Irmandade Muçulmana tomar o poder no Egito, algo que os EUA e a UE tentarão evitar a todo custo, Israel deixará simplesmente de conversar com o país vizinho sobre qualquer assunto, pois não só não haveria mediação egípcia como também os laços diplomáticos existentes podem se romper.
3. Com o aparente perigo do extremismo islâmico no Egito, outras nações árabes podem seguir o mesmo caminho e transformar a África e a Ásia Ocidental em países hostis ao Ocidente e causar conflitos que ameaçarão a segurança e a economia do mundo.
Por outro lado, se o ditador Mubarak representaria a segurança para evitar o fanatismo islâmico e os conflitos entre os palestinos e Israel, não podemos esquecer de sua condição: ele está no mesmo barco de opressores de seu povo, que incluem desde Hugo Chávez e Kim Jong-il até os monarcas absolutos árabes, passando pelo seu colega tunisiano Zine El Abidine Ben Ali, deposto recentemente. Os protestos egípcios, inspirados pela revolução na Tunísia, outro país norte-africano que se livrou de uma ditadura corrupta, visam justamente acabar com o despotismo de um governante que está há 30 anos no poder. E boa parte deles não quer nem Mubarak nem os fanáticos no poder. Eles querem democracia.
Contudo, tudo o que acontece no milenar país virou uma espécie de monopólio da atenção da mídia, assim como vários outros acontecimentos anteriores, incluindo ai as tragédias na região serrana. E depois da vitória dos ativistas, ou do governo egípcio, haverá outras notícias que irão atrair a imprensa como a carne podre atrai os urubus.
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