Deslizamentos em Petrópolis (fonte: blog do João Alves) e outras cidades da região serrana do Rio emocionam mais do que o final da novela da Globo
Muitos no Brasil acompanham tanto a tragédia na região serrana do Rio de Janeiro quanto o final da novela Passione, que vai terminar hoje.
As novelas são feitas para entreter o público com tramas mais ou menos complicadas e previsíveis, personagens na maioria das vezes clichês, situações que se repetem, comportamentos estereotipados. Os protagonistas são românticos, ingênuos ou sofredores, e no final sempre se dão bem. Os vilões muitas vezes roubam as cenas, como Leôncio, Odete Roitman, Nazaré, e agora a Clara vivida pela Mariana Ximenes - e ultimamente também terminam a novela sem o tradicional castigo. Ainda há os personagens sem caráter muito definido, geralmente feitos para fazer rir ou para atrapalhar os mocinhos ou os vilões dependendo da ocasião. A novela atual pode ser bem mais sofisticada e complexa do que antigamente, mas continua a ser basicamente um misto de dramalhão e farsa. Tecnicamente não pode ser considerada uma tragédia ou uma comédia, como nas obras-primas literárias e teatrais.
Por mais que uma novela tente ser um modelo da vida real, jamais deixará de ser uma simplificação desta. A vida é muito mais do que isso, porque envolve uma combinação de fatos não determinísticos, e sim aleatórios, ou seja, dependentes mais das leis est atísticas do que da vontade de um autor controlando a trama. Os personagens têm personalidades formadas ao longo da experiência adquirida por cada um deles e possuem compreensões variadas de valores como ética, respeito, regras sociais, sexualidade, religião, liberdade, felicidade.
Nas histórias da vida real, cada personagem é ao mesmo tempo o autor, pois ele têm a capacidade de decidir por seu destino e arcar com as consequências de seus atos. Os personagens de novela não possuem essa capacidade, pois tudo o que eles fazem é por determinação do novelista. Até os vilões mais astutos são meros bonecos nas mãos de um homem. No caso de Passione e de seus personagens, este homem atende pelo nome de Sílvio de Abreu.
Já no caso de cada uma das vítimas das enchentes em São Paulo, Franco da Rocha, Atibaia e, principalmente, as cidades do estado do Rio de Janeiro, como Teresópolis, Petrópolis, Itaipava, Nova Friburgo, as histórias foram determinadas pelas próprias vítimas. Obviamente não foi por culpa delas, mas sim pela necessidade de morar em algum lugar. Muitos não tiveram oportunidade de se instalar em outros lugares, ou decidiram por influência de interesses de imobiliárias inescrupulosos ou omissão das autoridades cuja tarefa deveria ser de zelar pela população carente e por todo o território, inclusive as áreas que não poderiam jamais ser ocupadas. Estas são as motivações mais importantes, mas não as únicas. Existem várias.
Ao abordar uma calamidade sem precedentes como a do Rio de Janeiro, principalmente a região serrana, as explicações muitas vezes são simplistas e pouco aprofundadas, o que é perfeitamente compreensível, pois as causas da tragédia são várias, e não só a negligência da população ou a desídia do poder público, ou porque a chuva foi muito mais intensa do que no passado. Isso tudo é fato, tanto em São Paulo, onde as chuvas provocaram muitos estragos e algumas mortes, mas principalmente no estado do Rio.
Muitos serão tentados a reduzir a história das devastações causadas pelas enchentes a uma novela, mas isso seria perder muito das nuances e dos detalhes da vida real. Mesmo porque as vítimas ainda podem decidir se ficam nas mesmas áreas, muitas deles ocupadas irregularmente, ou se mudam para lugares mais seguros caso tiverem recursos suficientes para isso, ou então lutam por seus direitos e exigem dos governantes moradias em locais mais adequados e suspensão de todas as ocupações irregulares para evitar a formação de novas áreas de risco. Elas não dependem de um novelista para decidirem seus destinos.
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