quinta-feira, 20 de abril de 2023

Da série "Grandes varejistas do passado", parte 1 - Arapuã

A Arapuã continua a ser lembrada por muita gente, apesar de um rumoroso processo de falência iniciado em 1998. E vai inaugurar a série de empresas do varejo para fazer doer o coração dos saudosistas. 

Como já existe uma história contada e recontada por vários sites como, por exemplo, o da Gazeta do Rio, com uma reportagem assinada por Leonardo Ribeiro (ver AQUI), este blog não vai se estender muito. 

O logotipo da Arapuã e seu slogan imortalizado (Divulgação)

Fundada em 1957 por um jovem chamado Jorge Wilson Silveira Jacob, herdeiro da loja de tecidos Nossa Senhora Aparecida em Lins, então uma pequena cidade a 450 km da capital paulista, a história da grande varejista começou quando o adolescente, mostrando tino comercial, resolveu mudar o nome da razão social da loja, mudando-o para Arapuã, aumentando as vendas com melhorias na qualidade dos produtos e adotando preços agressivos para aumentar as vendas e o faturamento, conseguindo pagar os credores. Com mais dinheiro e crédito, começou a expandir seus negócios, instalando uma segunda loja em Araçatuba, também no interior paulista. 

Cansado de só vender roupas, o Sr. Jacob, como era conhecido o dono da Arapuã, passou a vender também eletrodomésticos, passando a ser um comercializador fiel dos produtos Walita, quando a marca ainda não pertencia à Philips, que também passou a ser parceira das lojas por vários anos. Depois de anos de dificuldades, a varejista começou a se expandir, chegando até a capital. Passou a vender também móveis e outros bens de consumo duráveis. Foi pioneira nas vendas com pagamento a prazo, estratégia logo seguida por concorrentes como as Casas Bahia e o Mappin. 

Durante o chamado "Milagre Econômico", o Sr. Jacob resolveu aventurar-se no ramo da construção civil (Construtora Lótus). Mais tarde, já nos anos 1980, adquiriu a também saudosa fábrica de biscoitos Duchen, aquela cujo prédio foi projetado por Oscar Niemeyer e instalado às margens da via Dutra, na Zona Norte de São Paulo. Não satisfeito, ainda comprou a Neugebauer, empresa de chocolates conhecida pelo Stick, vendido até hoje, e a Etti, fábrica de produtos de tomate, na mesma época. Investiu em propaganda, fazendo aparecer até uma mascote, Arapinha, um pica-pau de cor amarela, embora o nome da empresa fosse, provavelmente, inspirado em outra ave, a aracuã. O slogan "Ligadona em você" acabou grudando como chiclete na cabeça do povo brasileiro. 

O mascote Arapinha, divulgado em uma revista em quadrinhos nos anos 1980 (Divulgação)

A Arapuã prosperava, com suas centenas de lojas em todo o Brasil e um portfólio vasto, mas antes mesmo do Plano Collor, o Sr. Jacob foi até os Estados Unidos e voltou disposto a modernizar o seu império. Ao voltar, mandou fechar lojas consideradas não rentáveis, e concentrou a atenção nos eletroeletrônicos, como os televisores da Mitsubishi. Foi implantado um sistema moderno (para a época) de informatização, agilizando a venda dos produtos e aumentando o capital de giro, fazendo a marca sobreviver às tormentas da hiperinflação e do Plano Collor. Com o Plano Real, a situação pareceu melhorar, e a Arapuã abriu seu capital, chegando a ter valorização de 140% nas suas ações em apenas 15 meses, entre 1995 e 1996. 

Uma das famosas propagandas da Arapuã, feita em 1995, quando a empresa parecia imbatível (Propagandas Históricas/Youtube)


Porém, uma das causas da expansão dos negócios, a venda a prazo, foi seriamente afetada pela crise asiática em 1997, fazendo muitas empresas quebrarem. A Arapuã era fortemente dependente dessa modalidade de vendas, e com a inadimplência, o faturamento desabou. A dívida aumentou drasticamente, e só a parte dos créditos em atraso somava cerca de R$ 550 milhões, levando a empresa a pedir concordata. Descobriu-se que o banco do grupo, o Fenícia, era o responsável pela concessão dos créditos às lojas, o que era (e é) um procedimento ilegal. As mesmas marcas favorecidas pela ex-gigante do varejo - a Philips e a Mitsubishi - passaram a se voltar contra ela, contestando o plano de recuperação judicial. 

Apesar das tentativas de reação, chegando a estampar até a camisa do São Paulo (um dos gigantes do futebol paulista) em 2001, e do processo ter chegado ao STF e ao STJ, a novela foi se arrastando. O império foi esfacelado com a venda da Fenícia, da Etti e da Neugebauer. Em 2002 foi decretada a falência por quebra nos termos da concordata, quando as lojas já não operavam. A decisão foi revertida, para ser confirmada mais tarde, em 2009, pelo mesmo motivo alegado sete anos atrás. 

Os Jacob não desistiram de trabalhar, apesar de condenações à prisão nunca cumpridas, e um dos filhos do Sr. Jacob, Renato, tentou abrir lojas nas periferias de São Paulo e Belo Horizonte, vendendo roupas, como no início desta amarga história. Não deu certo, e eles foram obrigados a mudar o nome para Sette Bello, e depois fecharam boa parte das lojas. Uma última tentativa de satisfazer os instintos capitalistas da família foi a aquisição de 20% das ações da Rio, uma empresa de bebidas, em 2017. Ao contrário da Arapuã, a Rio ("Beba Rio") continua pequena e relativamente desconhecida, embora atuante no mercado. 

Atualmente, pouquíssimas pessoas conseguem imaginar as relações entre esta modesta fabricante, a nanica rede de lojas Sette Bello e a ex-titã do varejo brasileiro, parte de um império gigantesco, agora destruída após décadas de serviços aos brasileiros, interrompidos por um final triste e doloroso. 

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