Uma corrente de pensamento dominante nos séculox XX e XXI, período das duas grandes guerras mundiais e suas consequências, é o existencialismo, cujo mote é o homem como ser e agente de sua própria existência.
Enquanto outras correntes, como o idealismo de Kant e Hegel e o positivismo de Comte, correntes predominantes no século XIX, caíram em desuso, e o marxismo mostrou-se uma corrente de pensamento que se torna degenerado quando se torna doutrina oficial dos Estados, o existencialismo pareceu explicar com mais exatidão as circunstâncias de um mundo onde não é preciso recorrer a Deus para cobrar o ser humano por suas ações. A inteligência humana criou as tecnologias atuais e as vacinas, mas também a bomba atômica e outros meios capazes de por fim à existência de vida no planeta sem depender de fatores extraterrenos.
Nietzsche, ainda pouco compreendido mesmo agora, foi um dos influenciadores do existencialismo, mas ele surgiu antes dele, com o dinamarquês Søren Kierkegaard (1813-1855), o primeiro a compreender em profundidado o conceito de livre arbítrio, como teólogo luterano. Segundo Kierkegaard, o ser humano é o único responsável por suas ações e o principal agente de seu próprio futuro.
Kierkegaard (ao centro) foi o influenciador de Sartre (esquerda) e Heidegger (direita) |
Outro pensador com base no existencialismo é o alemão Martin Heidegger (1889-1976), figura contravertida por sua filiação ao Partido Nazista para se tornar reitor da Universidade de Freiburg, mas ele não se deixou seduzir pela doutrina nacional-socialista. Heidegger é o autor de Ser e Tempo (1927), segundo o qual o tempo é a instância pela qual o ser (chamado de dasein) adquire a compreensão de sua próxima existência e de tudo o que o cerca. O dasein não é definível como algo estável ou com características fixas, mas pode mudar de acordo com as possibilidades a serem trabalhadas com o tempo. Este existencialismo é mesclado com a fenomenologia, outra corrente de pensamento importante no século XX, criada por Edmund Husserl (1859-1938), amigo pessoal de Heidegger e defensor da submissão dos fenômenos científicos à consciência humana, para a compreensão das diversas matizes do nosso conhecimento. A fenomenologia será abordada em tópico posterior.
Hannah Arendt, discípula de Heidegger, utilizou o existencialismo para o estudo de sua doutrina política; ela será abordada na próxima postagem. Arendt é de origem judaica, sendo perseguida pelo nazismo.
Um dos mais estudados existencialistas é o francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), o autor de O Ser o Nada, segundo o qual estamos "condenados" a sermos livres, mas a liberdade é difícil de ser desfrutada plenamente devido ao medo de arcar com as consequências dos atos e a angústia de não poder voltar atrás. O ser humano é o único a ter capacidade de definir o nada com certo rigor técnico, e é aquilo que ele próprio criou. Sartre mesclou o existencialismo com o materialismo histórico de Karl Marx, defendendo os regimes comunistas na Europa, mesmo sabendo da opressão de seus governos sobre seus povos, o que lança questionamentos sobre a coerência e a solidez do pensamento sartriano, mais do que o de outros existencialistas.
A companheira de Sartre, Simone de Beauvoir (1908-1986), usou o existencialismo para defender a liberdade e as conquistas femininas. Beauvoir, como Sartre, também defendia o marxismo e o libertarianismo, apesar das contradições entre essas duas ideologias. Segundo ela, "não se nasce mulher: torna-se", com base na sentença sartriana "A existência precede a essência". Esta sentença é o mote do livro O Segundo Sexo. Muitos defensores da "ideologia de gênero", conceito que no Brasil encontra muita resistência, por se opor frontalmente à definição tradicional de sexualidade, usam Beauvoir como símbolo de resistência, mesmo sem tê-la lido.
O Brasil seria um grande laboratório para os filósofos existencialistas, apesar de sua tradição religiosa e seu passado marcado por governos autoritários e, mais tarde, pelos diversos populismos. A consciência do ser é algo ainda incipiente, devido à pouca instrução geral. Milhões ainda desejam pertencer a alguma entidade maior, como família ou comunidade, mas não têm condições de refletir a respeito - mesmo porque há outras prioridades, como a simples sobrevivência. Existem também questionamentos sobre a solidez do conceito mesmo dentro dos círculos acadêmicos, onde há, em maior ou menor grau, mescla com outras correntes de pensamento e ideologias políticas.
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