sexta-feira, 25 de maio de 2012

Os egípcios foram às urnas

Depois de uma história inteira sem saber o que é uma democracia, o Egito teve a primeira eleição democrática de sua história, no dia 23 deste mês. Os candidatos à presidência mais fortes são Amr Moussa, ex-chefe da Liga Árabe, Ahmed Shafiq, ex-ministro de Hosni Mubarak, e Mohamad Mursi, do grupo islâmico radical Irmandade Muçulmana. Os dois últimos devem disputar o segundo turno, embora a apuração só termine na próxima terça. Neste caso, o cenário não será muito animador, pois Shafiq representaria o continuísmo e Mursi, o fundamentalismo. Mas o Brasil teve Collor e Lula após 29 anos sem eleições para presidente, em 1989...

Mulher egípcia tem a oportunidade de eleger pela primeira vez um governante (Ahmed Jadallah/Reuters)

No Egito antigo, os faraós eram reverenciados como deuses. Naturalmente, isso não era democracia. E esse termo não fora inventado na época de maior esplendor da civilização egípcia, isto é, entre a construção das grandes pirâmides de Khufu*, Khafra** e Menkaura*** (mais a enigmática Esfinge de Gizé) e o fim do governo de Ramses II (entre os séculos XXII a.C. e XIII a.C.). Quando o conceito de democracia nasceu em Atenas, o Egito era um reino decadente. 

Os assírios, povo conquistador da Mesopotâmia (atual Iraque), os persas e finalmente os macedônios, comandados por Alexandre o Grande, invadiram o Egito. Depois da morte do grande conquistador, subiram ao trono vários reis gregos, os Ptolomeus, que ainda se permitiram chamar de faraós, preservando em parte os costumes locais. Mas não implantaram a democracia, já que era impraticável naquela época. Cleópatra, da dinastia dos Ptolomeus, foi a mais ilustre figura do período, mas também a última. 

Após Cleópatra usar uma naja para tirar a própria vida, os romanos anexaram o Egito ao Império Romano. E houve um grande período de ocupação estrangeira, com a perda de sua independência. Romanos, árabes e turcos mandaram e desmandaram nos egípcios. Napoleão acabou com o domínio turco e houve uma tutela francesa, até o governo de Mehmet Ali (1805 a 1849); com isso, o Egito ganhou autonomia, mas ficou, na prática, nas mãos dos europeus; os franceses foram substituídos pelos britânicos após a construção do Canal de Suez, que permitiu os acessos de grandes navios provenientes das grandes potências ocidentais ao Mar Vermelho e, consequentemente, ao Oceano Índico. E a vida política do Egito ficou sob as ordens de Londres até a independência, em 1922. 

Seguiu-se então um curto período de reis autocráticos, mais interessados no luxo de seus palácios do que no bem estar da nação. Os britânicos continuavam donos do Canal de Suez, e a Segunda Guerra Mundial aumentou o efetivo militar na região, irritando os líderes egípcios. Houve a ameaça hitlerista em 1942, quando os alemães invadiram a Líbia, país vizinho. Com o fim da guerra, o déspota Faruk I tratou de impedir por todos os meios a formação do estado de Israel, enquanto outros líderes estavam descontentes com uma monarquia incompetente e corrupta. A irritação deles aumentou quando o Egito e outros países árabes perderam a guerra contra Israel, em 1948. Quatro anos depois, Faruk I foi deposto por um golpe militar. 

Seguiu-se um período de ditaduras. Gamal Abdel Nasser impõs sua mão de ferro até a morte, servindo como uma voz para os interesses árabes, enquanto implantava um regime de tendência socialista e reprimindo toda a oposição, desde os cristãos até os fundamentalistas islâmicos representados pela Irmandade Muçulmana. Durante a ditadura de Nasser o Canal de Suez foi finalmente nacionalizado, mas chegou a ser invadido por Israel, com apoio francês e britânico, mas as superpotências da época, EUA e URSS, sustaram a invasão por meio da ONU. Anwar Sadat continuou a política de Nasser até certo ponto, mas aliou-se aos EUA e fez o famoso acordo com Israel, em Camp David (1977). Isso irritou os radicais muçulmanos, que trucidaram Sadat em 1981. Hosni Mubarak aprofundou as relações com os norte-americanos e continuou a prática dos antecessores de adiar o contato dos egípcios com a liberdade e enriquecer à custa da miséria do povo. A Primavera Árabe terminou com a ditadura de Mubarak só no início de 2011. E um regime militar foi implantado. 

Agora, em maio de 2012, inicia-se um novo período na história do Egito, de transição para a democracia. Só haverá a consolidação quando os militares finalmente deixarem o poder nas mãos do presidente eleito. E os desafios são muitos: a economia egípcia não é das mais fortes e depende fortemente das divisas com o Canal de Suez e, obviamente, o turismo; além disso, a miséria e o terrorismo assolam o país. Até que tudo entre nos eixos, o futuro próximo desta grande nação milenar da África é tão ou mais enigmático do que a Esfinge. 




* Os gregos deram o nome de Quéops à grande pirâmide; ela é conhecida por este nome
** Em grego, Quéfren
*** Em grego, Miquerinos

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