O homem se desenvolveu a partir de um macaco bípede, o Australopitecus afarensis. Depois de séculos de evolução, passou a ter forma humana, mas ainda era muito inocente, sem conhecer o seu potencial transformador. Precisou de muito tempo para se adaptar ao ambiente e tornar-se a espécie dominante na Terra.
De fato, ele começou a dominar o fogo, depois a roda, o arado, a agricultura. Sua população crescia, mas não formava um grupo muito organizado. Faltavam regras de conduta social, leis e normas, mas não faltava o instinto de se sobrepor aos indivíduos mais fracos de sua espécie. Esse instinto se tornou sede de poder e violência, que, por sua vez, deram origem aos primeiros conflitos. Para matar com mais eficiência os animais que serviam de alimento e peles, e também os grupos que se tornaram inimigos, foram criadas armas.
Menos mal que, mesmo primitivos e selvagens, muitos dos primeiros humanos tinham compaixão pelos semelhantes. Para contornar isso, os líderes mais impiedosos usaram meios para justificar seus atos. Matavam porque os inimigos tinham características diferentes, como cor de pele, características culturais, hábitos de conduta. Nascia assim o racismo, o preconceito, a discriminação.
Os homens evoluíram, começaram a desenvolver civilizações, leis e normas de conduta, mas continuaram justificando atos de violência, desta vez regulamentando-os. O preconceito estava colocado na lei.
Desenvolveram armas mais sofisticadas, para matar com mais eficiência aqueles com culturas diferentes e interesses comuns (pelos recursos naturais). Criaram a escravidão para aprisionar os inimigos derrotados e torná-los úteis. Para submeter os escravos, e também outros prisioneiros, desenvolveram métodos de tortura. E os poderosos tratavam de justificar a escravidão e a violência, a fim de torná-los palatáveis para as sociedades sobre as quais eles governavam. Enquanto as civilizações se desenvolviam, sangue era derramado, e para tornar isso aceito demonizavam-se as vítimas, com muito preconceito e intolerância.
A cobiça pelos produtos aumentava, chegando a outros vindos de regiões muito distantes. Desenvolveu-se a navegação, e assim as guerras e os conflitos se propagavam. Com o tempo, os navios puderam chegar a lugares muito distantes, a outras civilizações com costumes nunca vistos antes. Os europeus passaram a conquistar novos mundos, submeter e aprisionar os nativos, valendo-se de suas armas mais sofisticadas. E justificaram (assim fazem os poderosos quando querem validar seus atos) acusando os indígenas de serem preguiçosos, primitivos, ignorantes, sem lei nem rei, e que precisam ser castigados para deixarem de adorar deuses pagãos para conhecerem e respeitaram ao verdadeiro Deus.
Mais tarde, quando acharam que a escravização de indígenas não era suficiente, tratavam de trazer para as colônias escravos africanos. Justificavam a conduta dizendo, entre outras "verdades", que os negros eram descendentes de Cam, o filho maldito de Noé, segundo o Gênesis da Bíblia. Além disso, eram considerados brutos e incapazes de viver em sociedade por não saberem se portar de acordo com as leis.
Muitos milênios se passaram até a nossa espécie descobrir a tolerância e o respeito a quem pensa de forma diferente. Vieram os iluministas para condenar a intolerância. Depois veio o lema da "liberdade, igualdade, fraternidade", adotado pela Revolução Francesa e depois usurpado pelos radicais jacobinos no Terror, que matavam os aristocratas e mesmo os moderados em nome do povo. Vieram os abolicionistas para dizer que os negros mereciam a liberdade porque são gente como os brancos. Depois, Gandhi e Martin Luther King, para tentar apagar milênios de História humana marcada por preconceitos. Mas também a Ku Klux Klan, para manter o preconceito firme na sociedade americana, e os nazistas, que inventaram formas de exterminar as "raças inferiores".
Só no final do século XX a ciência desmistificou as características humanas, dizendo que cor de pele não define uma raça e, por extensão, nega a divisão do ser humano por raças. É muito pouco tempo para consertar um estrago de milênios de vícios em preconceito.
O caso do Daniel Alves do Barcelona é mais um triste caso de um hábito que teima em permanecer. Torcedores sem educação ficam jogando bananas aos jogadores negros, principalmente de outros países. Ao invés de protestar, Daniel Alves simplesmente comeu a banana jogada para ele, e ainda fez piada nas redes sociais. Um gesto nobre, diante de gente ignóbil. A agência Loducca, aproveitando-se da situação, lançou a campanha "Somos todos macacos". Há quem ache esse slogan simplesmente desprovido de bom senso, lembrando que somos seres humanos e não animais.
Somos seres humanos, sim, mas também animais, mamíferos primatas, descendentes de macacos. Derivações aberrantes deles, diga-se, por nossa falta de pelos e de força, nos músculos e até nas nossas mandíbulas atrofiadas. Em compensação, temos cérebros bem maiores, com a capacidade de pensamentos complexos. Muitas vezes não usamos esse potencial intelectual, comportando-nos de forma inadequada, anti-ética e sem respeitar os outros. De forma geral, evitamos assuntos que nos fazem pensar, contentando-nos com vidas medíocres e muitas vezes vazias. Cometemos muitas asneiras, deixamo-nos enganar pelos outros e, principalmente, por nós mesmos. Não parecemos ter consciência de nossas ações, em certos casos.
Orgulhamo-nos de nossa superioridade sobre os outros animais à toa, muitas vezes mostrando atos mais selvagens do que os cometidos pelos ditos "irracionais", como torturar e matar por prazer.
Quando não exercemos o preconceito, nada fazemos de concreto para amenizar essa situação. E não vale usar o "politicamente correto", que é uma tentativa farisaica de se preocupar com os negros e índios evitando termos ditos "pejorativos" mas nada fazendo de concreto a favor deles como seres humanos (além do cerceamento da liberdade de expressão, mas isso não vem ao caso agora).
Enfim, não somos os animais mais inteligentes, e sim os mais presunçosos. Somos meros macacos preconceituosos.