O Congresso trabalhou contra o Brasil e a Constituição ao aprovar uma prerrogativa que anula as decisões do STF, representante do Poder Judiciário. A Comissão de Comissão e Justiça (CCJ) aprovou uma emenda constitucional que autoriza a anulação das decisões do Supremo quando este 'violar a competência legislativa do Congresso'. Esta emenda é de autoria do deputado Nazareno Fontes (PT-PI).
As bancadas evangélica e católica ficaram furiosas com a decisão do Supremo de não tornar mais ilegal o aborto para fetos anencéfalos. Pode ser imoral fazer um aborto, e é certamente um risco para a mulher por se tratar de uma intervenção externa no organismo, mas a ilegalidade significa mulheres tentando fazer abortos de fetos sem cérebro às escondidas, nas tais 'clínicas de aborto', muitas delas sem condições sanitárias mínimas.
A Constituição diz expressamente que o Legislativo só pode sustar uma decisão do Executivo, ou seja, do governo. E estender o boicote ao Judiciário pode aumentar a confusão do Brasil em torno das leis. Já existe um clima de vale-tudo jurídico neste país e ele pode se agravar, prejudicando a todos nós.
Pior do que isso é a aprovação de um Código Florestal que não dá garantias mínimas à proteção dos mananciais, de cuja preservação depende a qualidade da água que abastece as cidades. Não haverá a devida punição contra pequenos e médios produtores que desmatarem margens de rios e encostas, entre outras áreas de proteção permanente, as chamadas APPs (o artigo 60 do novo Código fala em extinguir a punibilidade - ou seja, anistia - em imóveis regularizados mesmo que estejam dentro das APPs), e os Estados é quem definirão os limites de propriedade. Uma propriedade de 2000 hectares pode ser considerada como média no Acre ou no Mato Grosso, mas não em São Paulo ou no Rio de Janeiro.
Não há suficientes garantias para coibir a ação das madeireiras ilegais e dos grileiros, ou seja, dos pilhadores de terras que falsificam títulos de propriedade.
Está certo que reflorestar as áreas desmatadas, principalmente as encostas e margens de rios, é um ato muitas vezes custoso e caro, mas o texto não poderia ser tão leniente nesta questão.
Para piorar, as emendas do relator Paulo Piau (PMDB-MG) foram feitas quase na última hora, e todas elas beneficiam a bancada ruralista, descaracterizando o texto original do Senado, que tinha suprimido algumas das falhas do texto enviado à Câmara.
A presidentA poderá escolher entre sancionar ou vetar o Código Florestal. Se o texto for sancionado, teremos uma legislação muito branda com os desmatadores. Se ele for vetado, poderá ser pior, pois haverá uma indefinição jurídica.
Essas atitudes do Legislativo dâo razão às idéias simplistas dos que enxergam nos deputados e senadores apenas uma quadrilha de sanguessugas interessados em enriquecer às custas do NOSSO DINHEIRO e explorar o país até o último hectare e o último centavo. Muitos deles já sentem saudades da morta e enterrada 'Revolução' (sic) de 1964 e alguns já idealizam até um regime parecido com o de Pinochet ou de Fidel, 'sem corrupção', ou melhor dizendo, sem um Legislativo independente e atuante.
P.S. (um complemento para o texto): Não estou querendo condenar, de maneira alguma, os produtores rurais sérios neste país, porque de outra forma seria impossível a produção de alimentos necessários à população. O agronegócio não pode ser combatido, ao contrário, deve ser estimulado e aperfeiçoado, para poder produzir mais sem a necessidade de desmatar. Não se pode desprezar os empregos gerados pelas fazendas que são verdadeiras empresas rurais e faturam milhões com a agricultura e a pecuária. Também é uma idéia rasa demais dizer que o Código Florestal inteiro é ruim como um todo e merecedor de satanização. Era necessário modernizá-lo, pois o antigo era de 1965. As leis não são perfeitas. Nem a atual Constituição é, aliás, nem a Constituição norte-americana pode ser considerada assim. Mas elas devem refletir a realidade de uma população e contribuir para que tenhamos um comportamento melhor no presente e no futuro. No entanto, as emendas feitas pelo relator poderiam ter sido feitas antes e discutidas com cuidado pelos parlamentares, pois a impressão incômoda é que realmente elas foram impostas de última hora. É um fato muito negativo para a imagem desgastada da Câmara dos Deputados. Por último, toda a preocupação em torno dos madeireiros ilegais, grileiros e toda sorte de devastadores (inclusive boa parte dos invasores de terras vinculados ao MST) é justificada. Mas nem um Código Florestal muito melhor do que este funcionaria sem a devida fiscalização do poder público, a fim de neutralizar a ação desses criminosos.