segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Ainda sobre a pesquisa do autoritarismo

Semana passada, o Datafolha elaborou uma pesquisa para tentar medir a tendência ao autoritarismo do brasileiro. Foram feitas perguntas com base em três núcleos: 

- Convencionalismo
- Submissão às autoridades
- Agressividade autoritária

Desses títulos, apenas o último é explicitamente autoritário. Os dois primeiros englobam também tendências conservadoras, e, como mostram as democracias avançadas, conservadorismo é diferente de autoritarismo. 

Já se aborda muita teoria a respeito dessas diferenças. Na prática, cabe analisar as perguntas isoladamente: 


Primeiro núcleo: "Convencionalismo"

"A maioria dos nossos problemas sociais estaria resolvida se pudéssemos nos livrar das pessoas imorais, dos marginais e dos pervertidos."

Este é um pensamento tipicamente autoritário. Não se pode livrar desses elementos antissociais, apenas controlá-los com base na lei. 

"Se falássemos menos e trabalhássemos mais, todos estariam melhor."

Esse pensamento é compartilhado não só pelos autoritários, mas também por qualquer pessoa que se baseia em uma visão prática da vida, o que pode englobar até alguns "esquerdistas liberais".

"Deve-se castigar sempre todo insulto à nossa honra."

Mais um pensamento tipicamente autoritário. O conceito de honra é subjetivo, e no nosso passado autoritário significa muita coisa: ofensas pessoais, traições conjugais, prejuízos deliberados feitos por outrem, entre outros. Deveria estar no núcleo "Agressividade autoritária", pois o Datafolha nos induz a pensar que punir os crimes de honra faz parte do pensamento convencional.

"Os crimes sexuais (...) merecem mais do que prisão; quem comete esses crimes deveria receber punição física publicamente ou receber um castigo pior."

Punições não previstas em leis democráticas também são típicas do autoritarismo. Este, no entanto, é um desejo de muita gente motivada por revolta contra a impunidade dos estupradores, pedófilos e outros criminosos sexuais.

"Os homossexuais são quase criminosos e deveriam receber um castigo severo."

Também é um pensamento autoritário, mas não poderia estar no núcleo "convencionalismo". Mesmo quem não vê os homossexuais como pessoas normais dificilmente defendem castigos severos para eles. 

"Às vezes, os jovens têm ideias rebeldes que, com os anos, deverão superar para acalmar os seus pensamentos."

Esse ponto de vista é típico de gente que passou pelo processo normal de amadurecimento. A adolescência é marcada, às vezes por ideias rebeldes, que não podem ser defendidas quando o jovem entra no mercado de trabalho, por exemplo. Trata-se de uma questão que não poderia estar nesta pesquisa.

"Hoje em dia, as pessoas se intrometem cada vez mais em assuntos que deveriam ser somente pessoais e privados."

Qualquer pessoa defensora do direito à privacidade pensa dessa forma. Não é compreensível uma pergunta assim contribuir para definir um indivíduo como tendo tendências autoritárias. 


Segundo núcleo: "Submissão a autoridades"

Em maior ou menor grau, todas as perguntas não fazem jus ao título. 

"A ciência tem o seu lugar, mas há muitas coisas importantes que a mente humana jamais poderá compreender."

Mais uma afirmação fora de propósito. O que isso teria a ver com "submissão a autoridades"? E como isso avaliaria uma pessoa como "autoritária"?

"Os homens podem ser divididos em duas classes definidas: os fracos e os fortes."

Numa análise ligeira, realmente esta afirmação é autoritária. Mas pensamentos conservadores, mesmo os que se enquadram na democracia, enaltecem os fortes moralmente, enquanto quem apresenta fraquezas morais deve ser punido.

"Um indivíduo de más maneiras, maus costumes e má educação dificilmente pode fazer amizade com pessoas decentes."

Mais uma vez, tanto autoritários como boa parte dos conservadores compartilham dessa afirmação. Além disso, também dá a entender que as autoridades em geral são moralistas, enquanto muitas delas são moralmente flexíveis.

"Todos devemos ter fé absoluta em um poder sobrenatural, cujas decisões devemos acatar."

Isso não tem a ver com autoritarismo e sim com o fanatismo religioso. Na verdade, isso está relacionado às religiões em geral, combatidas pelos marxistas (boa parte dos jornalistas tem essa formação).

"Pobreza é consequência da falta de vontade de trabalhar."

Não é preciso ser autoritário para defender essa frase. Qualquer simpatizante da chamada "direita política", seja autoritário, conservador ou liberal, defende o trabalho como uma solução para resolver a pobreza. Esta pesquisa mostra bem a vinculação com a "esquerda".


Terceiro núcleo: "Agressividade autoritária"

"O que esse país necessita, principalmente, antes de leis ou planos políticos, é de alguns líderes valentes, incansáveis e dedicados em quem o povo possa depositar a sua fé."

Esta é uma das poucas afirmações que podem medir o grau de autoritarismo latu sensu, pois também engloba muitos pensamentos populistas.

"A obediência e o respeito à autoridade são as principais virtudes que devemos ensinar às nossas crianças."

Esta frase pode induzir alguém que valoriza a obediência e o respeito às autoridades como virtudes a ser considerado autoritário, quando na verdade é um conservador que não atentou para o trecho "... as principais virtudes...".

"Não há nada pior do que uma pessoa que não sente profundo amor, gratidão e respeito por seus pais."

Isto não avalia grau de autoritarismo algum. Qualquer pessoa que respeita seus pais está de acordo com esta afirmação. 

"Nenhuma pessoa decente, normal e em são juízo pensaria em ofender um amigo ou parente próximo."

Uma pessoa não pode ser considerada "não autoritária" se ofendeu um amigo ou parente, mesmo que não tenha pedido desculpas caso estiver errado.

"O policial é um guerreiro de Deus para impor a ordem e proteger as pessoas de bem."

A princípio, este escrito absurdo é próprio de regimes teocráticos, como o do Irã, ou algumas autocracias de fundo religioso como a Arábia Saudita. Muitos regimes de exceção são laicos ou ateus. Um defensor do regime norte-coreano não concordaria com isso, e mesmo assim ele é partidário de uma ditadura. Por outro lado, um conservador desavisado, que NÃO necessariamente defende um poder discricionário, poderia concordar com isso.


Resumindo: esta pesquisa não avalia objetivamente as tendências autoritárias, e apenas dá um pretexto para o povo em geral ser difamado, já que a média obtida por esta pesquisa foi 8,1, numa escala de 0 a 10. Como método, ele carece de fundamentos, mostrando estar em desacordo com o conceito básico de "autoritarismo": "Sistema político que concentra o poder nas mãos de uma autoridade ou um grupo limitado". Isto induz facilmente setores da opinião pública a erro, ou vira um falso pretexto para fazer críticas descabidas a uma população só por não encaixar num ideal sonhado por muitos "esclarecidos". Ademais, este blog NÃO é conservador e muito menos tem a intenção de difamar o Datafolha. Apenas quer contribuir para não fomentar a desinformação e a injustiça.

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