quinta-feira, 4 de abril de 2019

Triste é quem acredita em "ranking da tristeza"

Hoje, o portal Uol, em conjunto com a BBC News, relatou o chamado "Índice Anual de Países mais Infelizes", do original elaborado pelo economista americano Steve Hanke chamado "Annual Misery Index". A metodologia empregada neste índice é a soma do crescimento econômico com inflação e taxa de desemprego, e não foi criada por Hanke, mas por outro economista, Art Okun, na década de 1960. 

Muitos lerão a reportagem do Uol, e irão apodar o Brasil de "país triste" porque está em quarto lugar no "Annual Misery", com índice 53,6, atrás apenas da Venezuela (absurdos 1.746.539,1), da Argentina (105,6) e do Irã (75,7). Infelizmente, a taxa de compreensão de textos por aqui é bastante baixa, porque o país tem uma educação ainda péssima. Mesmo quem tem curso superior acaba interpretando mal um texto escrito, porque não se deu ao trabalho de ler com atenção. 

Aliás, o título da reportagem foi muito, digamos, infeliz: 

"Índice criado por economista classifica Brasil como 4o país mais triste"

A palavra "triste" poderia estar entre aspas, porque não foi empregado em seu sentido mais literal, e sim como sinônimo de "baixo crescimento econômico, alto índice de desemprego e inflação alta". 

O Brasil nem tem uma inflação tão alta: 3,75%. Apenas o crescimento econômico foi muito baixo (1,1%) e o desemprego é alto mas não catastrófico, ficando em torno de 12% ao longo do ano passado. 

Da mesma forma, se alguém acreditar que a Tailândia é, de forma literal, o país mais feliz do mundo, está precisando conhecer melhor a realidade do país ou simplesmente necessita de tratamento psiquiátrico, porque, de acordo com este índice, o país asiático só é tão "feliz", com índice de "tristeza" de apenas 1,7 ponto, por combinar alto crescimento econômico, baixo índice de desemprego e inflação sob controle. Não é porque os tailandeses estão se sentindo bem, ainda mais sendo governados por uma ditadura desde 2014. 

Aliás, para fins de informação, a Tailândia nem está numa situação tão maravilhosa assim: em 2018, ano base deste balanço de países "felizes", a taxa de inflação foi de 0,92% e o crescimento econômico foi de 4,1%. Números nada espetaculares. Só a taxa de desemprego foi bem baixa, de 1%, segundo dados oficiais. 

Não há uma fundamentação, com base em dados, para explicar esses resultados. Só foi feita uma tabela dos países mais tristes, de acordo com o ranking, além de citar os países mais "felizes", incluindo a Hungria (2,6 pontos), Japão (3,3 pontos) e Áustria (3,9 pontos). 

Só podem ser considerados felizes devido à metodologia empregada por Steve Hanke. Ou alguém poderia considerar um húngaro mais feliz do que um austríaco (ou sueco, ou dinamarquês, ou suíço), num país tão mais pobre e com um governo autoritário. 

Portanto, quem classificar um país por "feliz" ou "triste" com base nas informações da reportagem e achar que a Tailândia é um paraíso de felicidade ou considerar o Brasil mais infeliz do que aqueles países miseráveis da África (todos melhores, ou menos piores, que o nosso país segundo o sistema de Hanke) está numa situação realmente triste (sem aspas), de profunda ignorância e alheamento da realidade.

Isso vale para qualquer um que interpretar os rankings divulgados pela mídia sem conhecer os critérios de classificação. 


N. do A.: Este blog só não divulga os índices de desemprego, inflação e crescimento econômico de cada país citado neste artigo porque não tem tempo para procurar os dados (e pelo visto o autor da reportagem, cujo nome se ignora, também não tinha). Quem quer se informar a respeito deve recorrer ao Google para achar os sites especializados, a maior parte deles em inglês. Ou seja, deve-se pesquisar com base nos termos "unemployment rate", "inflation rate" e "economic growth". 

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