sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Da série '(Des)industrialização no Brasil atual', parte 1 - Indústria eletrônica

Este blog inicia uma série de artigos sobre o atual momento da indústria no Brasil. 

Já tivemos uma época muito melhor, sem querer fazer concessões ao saudosismo, pois esta série não é uma extensão de tópicos já existentes, como a "oitentolatria" e a "noventolatria". 

Primeiramente, é bom fazer um apanhado do processo de industrialização no Brasil, começando por definir os tipos de indústria, por setor: 

- Bens de produção, visando a transformação de produtos agropecuários e minerais em produtos destinados a outros setores industriais, como as indústrias madeireira e siderúrgica; 

- Bens de consumo, destinados ao consumidor final, como as indústrias alimentícia, automobilística e eletrônica, item a ser abordado aqui; 

- Bens de capital, intermediários entre os dois setores acima, produzem os equipamentos necessários para as indústrias de bens de consumo funcionarem, a partir da matéria-prima fornecida pelas indústrias de bens de produção; fazem parte dessa categoria os setores de máquinas e motores. 

O auge da industrialização foi entre as décadas de 1930 e 1970, após um período de modesta expansão das indústrias de bens de consumo, a partir do segundo império. 

Houve períodos de maior expansão industrial entre 1937 e 1979. Na ditadura Vargas, com o estímulo às indústrias de base e a criação de grandes siderúrgicas como a CSN. No governo JK, houve um estímulo à vinda de montadoras de veículos no Brasil, o desenvolvimento da indústria de bens de capital e o crescimento das grandes empreiteiras para a construção de rodovias pavimentadas, após a criação da Petrobras em 1953. No regime militar, houve o "milagre econômico", com grande crescimento do PIB, mais estímulos à indústria em geral, e grandiosos projetos de infraestrutura,  alguns deles verdadeiras ilusões megalomaníacas como a Transamazônica. 

Depois, a crise econômica e a reserva de mercado no fim dos anos 1970 e nos anos 1980 bagunçaram a economia e acentuaram o atraso do Brasil em relação às grandes potências e outros países emergentes, como os chamados "Tigres Asiáticos". O Plano Collor, ou mais especificamente o confisco dos investimentos pelo governo, foi o estopim para a desorganização geral na indústria, que não se preparou para a concorrência dos produtos importados com a abertura econômica. O Plano Real e o controle da inflação seriam uma esperança para a atividade industrial, mas as crises asiática (1997) e russa (1998) arruinaram muitos planos. Os anos FHC significaram mais estímulo ao setor de serviços, em detrimento da indústria. A partir do governo Lula, houve maior estímulo ao agronegócio, e a indústria ficou em segundo plano, apesar das reformulações visando, segundo a gestão da época, diminuir a desigualdade. O atual processo de desindustrialização começava a partir daí. 

Neste quadro, como fica a indústria eletrônica, um dos setores mais importantes na economia dos países avançados?

Em matéria de eletrônica, o Brasil nunca teve destaque. No auge da expansão industrial, o país recebeu muitas indústrias ligadas ao setor, mas a maior parte eram montadoras de produtos finais, como televisores, computadores, rádios e equipamentos para telecomunicações. Foram poucas as empresas de componentes, como transistores, circuitos integrados (chips) e placas-mãe (motherboards). 

Houve pouco estímulo ao desenvolvimento local de componentes, que demanda um amplo e sofisticado processo de produção, envolvendo laboratórios, salas limpas para impedir a contaminação dos dispositivos (algo ainda mais crítico atualmente, com a produção de transistores minúsculos, com tecnologia da ordem de alguns nanômetros; 1 metro possui um bilhão de nanômetros), equipamentos de microscopía, litografia para o desenho dos componentes, instrumentos para testes e caracterizações (medidas de corrente, tensão, capacitância), entre outros detalhes. 

Projetos do setor eletrônico, dependentes das condições expostas acima, acabam sendo desestimulados, e a indústria brasileira, com algumas exceções, importa-os e não os desenvolve por aqui. 

Por isso, há uma subutilização do pessoal especializado, formado pelas universidades, sobretudo as federais e estaduais (como a USP e a Unicamp) e também os estabelecimentos militares (caso do ITA). Boa parte dos formados tem capacitação para integrar equipes de projetos, mas não há ambiente para isso, e eles precisam se preparar para a disputa de empregos fora do país. Outros precisam se dedicar a outras áreas, como administração e pesquisa acadêmica.

Houve um período de "reserva de mercado" para tentar estimular a tecnologia nacional, mas ela acabou nos mantendo à margem dos avanços em outros países. Quando a reserva foi quebrada, no governo Collor, houve um verdadeiro "choque", e a dependência de componentes mais avançados - importados - se tornou crônica. Fábricas montadoras famosas no final do século passado, como a Gradiente, a CCE, a Motoradio, a Elebra, entre outras, enfrentaram crises (as duas últimas citadas não existem mais). Outras foram incorporadas, como a Edisa (comprada pela HP em 1994).

Não se vislumbra uma mudança para melhor neste quesito, e a atual estagnação econômica piora o quadro. Esta é uma situação econômica, na qual as boas intenções e as ideias brilhantes não bastam. É necessário um planejamento sólido, envolvendo empresas, universidades e o governo, e levar em conta a dependência quase total de know-how estrangeiro para este setor. Os resultados só virão em longo prazo.

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