sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Os quatro temperamentos e a música: dois casos

Este blog por vezes se aventura a falar sobre psicologia, personalidade e temperamento. Neste último caso, a respeito dos quatro temperamentos definidos por Hipócrates e Galeno (sanguíneo, colérico, melancólico e fleumático), há algumas relações entre estas características e a música. 

Em algumas obras com quatro movimentos, como as sinfonias do século XVIII, parece haver certa correlação: o primeiro movimento, rápido e enérgico, parece mais colérico do que os outros, enquanto o segundo movimento, lento e às vezes triste, é melancólico. O terceiro movimento é uma dança em ritmo moderado (como os minuetos de Haydn e Mozart), é fleumático, e o movimento final é o mais rápido e ligeiro de todos, consitutindo um temperamento mais "sanguíneo". 

Carl Nielsen (1865-1931), um compositor dinamarquês, fez uma sinfonia, em 1902, homenageando os quatro temperamentos, cujos movimentos são: 

- Allegro colerico (primeiro movimento, com dissonâncias e ritmo forte, escrito principalmente em si menor); 

- Allegro comodo e flemmatico (segundo movimento, parece uma valsa; o tom principal é sol maior); 

- Andante malincolico (terceiro movimento, mais triste, na rara tonalidade de mi bemol menor); 

- Allegro sanguineo - marziale (último movimento, realmente alegre, em ré maior). 

Esta foi a sua segunda sinfonia, e também a mais famosa. 

A sinfonia dos "Quatro Temperamentos", mostrando sua partitura (canal de Bartje Bartmans / Youtube)


Outro caso é a bem mais conhecida abertura de Guilherme Tell, escrita por Gioachino Rossini (1792-1868), o famoso autor italiano de óperas cômicas. Ele compôs esta obra, a mais "séria" de seu repertório, em 1829, e desde então quase não fez mais nada, desfrutando de uma fortuna adquirida com o sucesso de seus trabalhos. 

A obra começa num ritmo lento e pesado, um andante, marcado pelos violoncelos, transparecendo melancolia. Curiosamente, este prelúdio foi escrito predominantemente em modo maior (mi maior), com exceção do solo inicial do primeiro violoncelo, em mi menor. 

Depois, vem a "tempestade", reproduzida até mesmo em desenhos animados, uma parte realmente colérica, tocada pela orquestra inteira. A tonalidade é mi menor. 

A seguir, outro trecho usado nos cartoons, um andante tranquilo, lento e bucólico em sol maior, marcado pelos sons dos instrumentos de sopro de madeira. Foi usado até por Maurício de Souza para musicar desenhos do Chico Bento, sem falar no estranho Bambi encontra Godzilla

Por fim, a alegre e marcante Marcha dos Soldados Suíços, ou "música do cavaleiro solitário", devido ao uso desta marcha "sanguínea" como tema para o herói mascarado nos filmes e seriados. Foi musicado em mi maior. 

Música com partitura da abertura de Guilherme Tell, última grande obra de Rossini (canal de Bartje Bartmans / Youtube)

A abertura do seriado do Cavaleiro Solitário em 1949; curiosamente, o personagem era chamado, indevidamente, de "Zorro" no Brasil, mas ele era texano e não enfrentava o Sargento Garcia como fazia o espadachim californiano (canal The Film Detective / Youtube)


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