segunda-feira, 27 de abril de 2020

Fracasso previsível de duas uniões

Duas uniões fracassaram, o que é compreensível no contexto atual. 

Primeiro, o caso da Boeing com a Embraer. Com a pandemia de COVID-19, a frequência dos voos  locais despencou 75% e, nos voos internacionais, a queda foi brutal: 95%, segundo dados da Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas). Isso provocou forte redução nas receitas das companhias aéreas, e a Boeing, já no prejuízo (US$ 636 milhões em 2019), alegou violações contratuais da Embraer para não pagar os US$ 4,2 bilhões da união (a joint-venture Boeing Brasil-Commercial, com participação majoritária da gigante americana) e desfazer o negócio. A brasileira, que já teve de gastar R$ 485 milhões para se dividir em duas, vai recorrer na Justiça americana. Os militares brasileiros, inclusive o vice-presidente Hamilton Mourão, não escondem a satisfação com o fim do negócio, mas temem outro desfecho: a Embraer parar no controle da estatal chinesa Comac, que está interessada em expandir seus negócios. Mas isso, por ora, é especulação.

A joint-venture entre a Boeing e a Embraer nem aconteceu. O governo deve decidir o que fazer com a empresa pelo golden share mas por enquanto está preocupado com o fracasso da parceria com Sérgio Moro (Divulgação)

Segundo, a união de Jair Bolsonaro com Sérgio Moro. Para muitos, não deveria ter acontecido. Não fazia parte dos planos originais do presidente. Só houve essa união por ação de Paulo Guedes, o agora único superministro. Durante esse período de convivência, a relação provou ser desarmônica.

Moro demonstrou incompatibilidade com as linhas de pensamento do governo. Não defendia o armamentismo, nem a castração química de estupradores (uma das promessas de campanha de Bolsonaro) ou a redução da maioridade penal. Não concordava com a ação de milícias e uso de fake news, mas também não atuou de forma decisiva para investigá-las. Nem ele, e nem o ex-chefe da Polícia Federal Maurício Valeixo, seu amigo. Usou o pretexto da demissão dele por Bolsonaro, uma atribuição dele (inoportuna no atual momento, marcado por ataques sistemáticos contra o governo), para fazer um rumoroso pedido de demissão, com o uso intensivo da mídia e principalmente da Rede Globo. Acusou o presidente de fazer uma intervenção política na Polícia Federal, querendo um relatório com dados sigilosos, e disse que os outros governos não ousaram fazer isso da mesma forma, apesar das evidências em contrário nas gestões da Nova República, principalmente quando Lula e Dilma estavam no poder. O ex-juiz de Curitiba almeja dar um novo rumo à sua carreira política, iniciada, como ministro de Estado, de forma capenga. 

No comando da Justiça e Segurança Pública, mostrou mais vaidade do que efetividade na resolução de problemas relacionados à sua pasta. Não conseguiu mostrar resultados dignos de nota contra o crime organizado, os tráficos de armas e drogas, a violência urbana e rural, os assassinatos. Nem foi feito um adequado combate à corrupção, especialidade sua, pois não quis mostrar firmeza contra o caso das raspadinhas e as candidaturas fantasmas ("laranjas") do PSL, antigo partido do presidente e do filho mais velho, Flávio, acusado de se envolver nesses dois casos. Além disso, enrolou-se no escândalo da Vaza Jato, após ser grampeado e ter conversas comprometedoras com procuradores e delegados da Operação Lava Jato, sendo exposto pelas reportagens da Intercept Brasil do jornalista e ativista Gleen Greenwald, cujos apoiadores têm a intenção de destruir a reputação tanto da Lava Jato quanto do governo. 

O presidente não conseguiu controlar Moro no momento de sua demissão, assim como teve dificuldade em se expressar de forma coerente no discurso para se defender dos ataques do ex-juiz, mas ainda tenta manter o seu governo prejudicado pela sua própria inabilidade, por sua falta de apego às regras republicanas, por erros como tratar a pandemia de coronavírus como "gripezinha" e pelos anseios em querer "combater o sistema" sendo parte dele: continuou as conversas com os partidos da "velha política", como os do "Centrão", e não conseguiu, por exemplo, convencer Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, presidentes da Câmara e do Senado, a desistirem de tentarem infringir o regimento com suas campanhas de reeleição e a fazerem os parlamentares cortarem seus gastos em nome do combate à pandemia. 

Ao menos, ele ainda tem controle sobre a Embraer por ter o golden share, para lhe dar um destino após o fracasso da união com a Boeing. 

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