quinta-feira, 6 de julho de 2023

Zé Celso, o iconoclasta

Mais um grande nome do Brasil se foi, e da pior forma: queimado num incêndio acidental ocorrido anteontem em seu apartamento na capital paulista, lutando pela vida da mais tenaz maneira possível para um homem de 86 anos. 

José Celso Martinez Corrêa, o dono do Teatro Oficina, idealizou e produziu O Rei da Vela, a partir do romance de Oswald de Andrade, e fez uma leitura para lá de ousada de Hamlet, sendo recebido com escândalo por muitos mas considerado um gênio por outros. Depois, adaptou Os Sertões, de Euclides da Cunha. 

Foi censurado e perseguido pelo regime militar, e depois aclamado. Era visto como um libertino, acusado de fazer pornografia, e não escondeu a sua opção sexual, consolidando sua união com o ator Marcelo Drummond no mês passado, quando a união civil entre pessoas do mesmo sexo não chocava mais. Teve uma queda-de-braço com Sílvio Santos, que queria fazer um empreendimento comercial nas vizinhanças do Teatro Oficina, cujo prédio foi projetado por Lina Bo Bardi. A disputa se entendeu por anos, e Sílvio Santos até agora não conseguiu dobrar a vontade de Zé Celso, embora eles se tratassem bastante cordialmente. 

Seu irmão, Luís Antônio teve vida semelhante, embora bem mais curta. Aos 37 anos, também era dramaturgo, autor do aclamado Theatro Musical Brasileiro (1986). Também era visto como vanguardista. Também era homossexual. E também morreu de forma violenta, assassinado em 1987. 

A tragédia do fogo, lembrando os "hereges" queimados no passado, interrompeu sua vida bruscamente, quando ele já estava mesmo próximo do fim. Mas para seus admiradores ele continuará vivo. 

Zé Celso (1937-2023) surpreendeu o Brasil com suas peças e com sua morte (Cristina Horta/EM/D.A. Press)


N. do A.: Num dia 6 de julho, mas ainda sob o calendário juliano, também morria pelo fogo um desafiador de conceitos vigente, o pregador Jan Hus, precursor da Reforma luterana e seguidor de John Wycliffe, um inglês que questionava os dogmas da Igreja Católica. O ano era 1415, na cidade alemã de Constança, onde havia um concílio para resolver uma grave crise na Igreja, pois havia um papa em Roma e outro em Avignon, na França. A questão começou havia mais de cem anos, em 1307, quando o rei francês Felipe IV desafiou o papado e mandou transferir a sede para a cidade francesa. Jan Hus, considerado "herege" e transgressor, foi queimado, e depois inspirou tanto a Reforma de Lutero quanto os movimentos pela independência da Boêmia, nação da qual Hus fazia parte. 

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