quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Nelson Mandela (1918-2013)

Este blog já estava se preparando para falar sobre a luta dos ucranianos contra a subserviência de seus líderes a Moscou, ou então para comentar a desistência de José Dirceu ao emprego que lhe ofereceram, diante das repercussões negativas, quando recebeu a notícia da morte de Nelson Mandela, o líder sul-africano. 

Nelson Mandela, um dos grandes nomes do nosso tempo (Divulgação)

Mandela estava com 95 anos e estava com a saúde debilitada, chegando a ficar vários meses internado, à beira da morte. Disputas entre as filhas e a atual esposa, Graça Machel, viúva do ex-presidente de Moçambique Samora Machel (vítima de um acidente de avião provavelmente causado por sabotagem em 1986), atormentaram-lhe os últimos anos. Queriam parte de sua fortuna material. Mas seu legado não se resume à riqueza adquirida. É muito maior do que isso. 

Antigo líder da tribo xhosa e chefe da luta da maioria negra contra os dominadores brancos de origem neerlandesa (os africânderes, antigamente chamados de bôeres) e britânica, de início foi contra a luta armada para a extinção do apartheid, o regime político que separava, até mesmo fisicamente, negros e brancos, concentrando quase todos os direitos nas mãos dos últimos. Esse regime também discriminava os imigrantes asiáticos e os mestiços. A capital da África do Sul, Pretória, derivada do nome de um líder bôer, Andries Pretorius, era praticamente vetada ao usufruto dos negros.

Com o aumento da repressão que culminou no massacre de Sharpeville, onde 69 manifestantes foram mortos pela polícia do regime racista em 1960, Mandela passou a integrar a luta armada. Enquanto isso, o mundo passou a acompanhar os desdobramentos. Até então eles eram coniventes com o apartheid, mas com a radicalização do regime segregacionista, que naquela época queria determinar até onde os negros poderiam ir impondo-lhes o uso de uma caderneta, começaram a pressionar Pretória. Intransigentes, mandaram prender Mandela sob acusação de assassinato e terrorismo, e outros líderes negros. Em 1964, um ano após sua prisão, foi formalmente condenado. 

Desde então, como preso político, tornou-se um símbolo da luta contra o racismo. Em várias partes do mundo, a ordem era: "Libertem Nelson Mandela!". Outros líderes, como Steve Biko, também não foram esquecidos. Biko foi torturado e morto em 1977. Desde então, a pressão internacional só aumentava, por meio de sanções políticas e econômicas. Em 1985, durante um período de reformas políticas que visavam levantar as sanções, foi proposta a libertação de Mandela, desde que ele renunciasse à violência. Mandela recusou, dizendo que o governo é que precisava renunciar à violência. Naquele tempo, ainda eram comuns prisões arbitrárias contra os negros e adversários do regime. Os inimigos de Pretória eram perseguidos e mortos, usando-se até mesmo de métodos terroristas, como cartas-bomba. Líderes como o arcebispo Desmond Tutu e a então esposa de Mandela, Winnie, lutavam bravamente contra as atrocidades e denunciaram o apartheid no exterior.

Frederick De Klerk resolveu tomar medidas mais efetivas para afrouxar o apartheid e mandou libertar Mandela em 1990. O CNA, Congresso Nacional Africano, liderado por Mandela, foi tirado da clandestinidade, ao lado de outras organizações anti-apartheid

Em 1993, premiando o esforço feito para revogar uma excrescência político-social, Mandela e De Klerk ganharam, juntos, o Prêmio Nobel da Paz. No ano seguinte, foram realizadas novas eleições presidenciais. Mandela foi escolhido como presidente. A minoria branca ainda temia represálias. Porém, durante o governo do ex-preso político mais influente da África do Sul (1994 a 1999), os negros passaram a receber os mesmos direitos que os brancos, sem que estes fossem prejudicados. Para mostrar que o caminho era de conciliação e não de revanchismo, foi favorável ao Torneio Internacional de Rúgbi no país em 1995. O rúgbi era o esporte oficial da minoria branca. Outros desafios, além do racismo, era a imensa desigualdade social entre negros e brancos e as divisões políticas e ideológicas entre as próprias lideranças das várias tribos sul-africanas, como os xhosa e os zulus. Neste meio-tempo, os últimos sinais do regime racista foram mitigados, como a implantação de uma nova bandeira.

Muitos sul-africanos ainda estavam insatisfeitos, e apontaram inclusive o favorecimento aos amigos pessoais durante o governo Mandela. Vários deles eram, no mínimo, suspeitos de corrupção. Porém, quando ele saiu, respiraram aliviados ao saber que ele não iria se tornar um ditador para se manter no poder a qualquer custo. O país continuaria o rumo, aperfeiçoando a sua ainda incipiente democracia.

Quando saiu, em 1999, havia muito a fazer para a África do Sul curar-se de suas chagas, mas Mandela iniciou o caminho para, anos depois, o país vir a se tornar uma das potências emergentes. Em compensação às falhas na gestão, houve o crescimento da confiança dos sul-africanos como uma nação unificada. O país também foi visto como mais seguro para os investimentos estrangeiros. No governo Mandela e nos seguintes, foram feitas reformas na educação e outros serviços públicos. Isso foi importante para o desenvolvimento econômico do país e o conserto ("lento, gradual e seguro", parafraseando certo lema adotado aqui durante a ditadura militar, um lema mais rigorosamente seguido lá, diga-se) dos estragos sociais causados pelo regime segregacionista, ainda em curso.

No final da vida, Mandela dedicou-se à luta contra a AIDS, mal que acometia muitos sul-africanos, inclusive seu próprio filho, Makgatho Mandela, morto pela doença em 2005. Ele foi homenageado por outros governantes, e ainda tinha participação em vários eventos importantes, com outros condecorados com o prêmio Nobel. Desmond Tutu foi um deles. Sua última aparição pública foi de apenas poucos minutos, durante o encerramento da Copa do Mundo de 2010. A Fifa queria aproveitar-se da fama de Mandela, a lenda viva, mas ele não entrou no jogo político da entidade. Quando Hollywood, artistas e várias empresas fizeram o mesmo para ganhar dinheiro, Mandela consentiu, pois isso iria propagar a sua imagem pelo mundo. A Fifa, organização ligada ao futebol, não teria nada a oferecer. Havia motivos para Mandela não aparecer em público: sua saúde já estava frágil e teve de sofrer o golpe de uma de suas bisnetas, de 13 anos, morrer num acidente de carro.

Em 2013, as últimas manchetes envolvendo o "gigante" sul-africano, com o agravamento da doença, a internação, as disputas familiares. E, finalmente, a morte, mas apenas o fenômeno físico pelo qual todos teremos de passar. Pois Nelson Mandela já está imortalizado pela História como o homem que venceu um dos regimes mais desumanos e absurdos do mundo. Ele também ajudou a colocar em prática as ideias de outro líder negro, o pastor americano Martin Luther King, que pregava a igualdade das raças. Esses dois fizeram mais pelos negros do que todos os outros ativistas juntos, e ajudaram as novas gerações, ou pelo menos partes delas, a compreender que negros, brancos, amarelos, são apenas diferenças de cor de pele e não características raciais. Pois, repetindo o velho lugar-comum, só existe uma raça: a humana.

Nenhum comentário:

Postar um comentário