sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Nobel da polêmica

A premiação com o Nobel sempre gera polêmicas, mas o da Paz é sempre o maior causador de discussões. 

Hoje, o presidente Juan Manuel Santos suplantou os "capacetes brancos", favoritos para ganhar o prêmio por socorrerem as vítimas da guerra na Síria e outros conflitos, por comandar o processo de paz com as FARC, a narcoguerrilha causadora de milhares de mortes, juntamente com seus inimigos, os paramilitares, também financiados com o dinheiro ilegal vindo do tráfico de drogas.

Esta não foi a primeira vez que o Nobel da paz causou celeuma. Já foram premiados o secretário-geral da ONU Dag Hammarskjold (postumamente), em 1961; Henry Kissinger, secretário de Estado norte-americano, e o líder do Vietnã do Norte Le Duc Tho em plena Guerra do Vietnã, em 1973; o presidente sul-africano Frederick De Klerk, último líder do regime segregacionista, junto com Nelson Mandela (este não teve o prêmio contestado), em 1993; o líder palestino Yasser Arafat e os israelenses Yitzhak Rabin e Shimon Perez, em 1994; o vice-presidente americano e advogado da teoria do aquecimento global Al Gore, em 2007; o presidente americano Barack Obama, em 2009; o Quarteto para o Diálogo Nacional da Tunísia, no ano passado (por terem iniciado a Primavera Árabe, que depôs muitos regimes tirânicos como o da Líbia e do Egito, mas involuntariamente favoreceu movimentos radicais como o Daesh). 

A guerra civil na Colômbia durou 52 anos, desde o agravamento dos conflitos entre conservadores, liberais e socialistas. Os extremistas pegaram em armas e formaram as FARC e o Exército de Libertação Nacional. Após muitos anos de resistência desorganizada, conservadores formaram grupos paramilitares, contribuindo para aumentar o clima de terror, a pretexto de lutarem contra a narcoguerrilha. Foram inúteis os esforços para pacificar a Colômbia, até o enfraquecimento progressivo dos grupos e de seus financiadores, os grandes cartéis (Medellin e Cali foram os mais conhecidos). As FARC foram responsáveis por vários sequestros, de civis inocentes e políticos que não seguiam sua ideologia, como a então senadora Ingrid Betancourt, que passou seis anos nas mãos dos extremistas, até ser resgatada. O governo colombiano aproveitou a perda do poder das guerrilhas para ganhar o controle do país, de início com a política dura de Álvaro Uribe, responsável, entre outros atos, pelo resgate de Betancourt (2008), e depois com negociações, sob Juan Manuel Santos. 

Uribe e Santos ficaram em posições opostas. O primeiro era partidário do não, chefiando aqueles que desejavam punições para os guerrilheiros, considerados terroristas por muitos países, mas não pelo Brasil. O segundo, ex-partidário de Uribe, quis obter os frutos políticos do sim para fazer seu sucessor (pois já foi reeleito) e fazer as pazes com a opinião pública internacional, que não apreciava os atos do antecessor.

A maioria dos colombianos ficou aliviada pelo fato das FARC deixarem as armas, mas muitos deles queriam punição, e não anistia e possibilidade de guerrilheiros serem políticos. Eles, como Santos, desejam a paz e o fim dos confrontos, mas achavam que as concessões foram exageradas. Não gostaram da mediação de Raul Castro, de Cuba (embora ele não seja o único, pois o outro mediador foi o diplomata de carreira Dag Nylander, em nome do governo norueguês). E vêem com sérias ressalvas a atuação do representante da guerrilha e também seu líder, Timoleón Jiménez, o Timochenko, ainda mais porque ele não saiu da lista da Interpol, por ser ainda considerado um terrorista, e ter se convertido num partidário da paz somente em 2012, após ser um leal seguidor do antigo chefe, Manuel Marulanda, o Tirofijo, considerado um atirador frio, sanguinário e comunista radical.

Santos, à esquerda, foi um dos lados do acordo para a paz na Colômbia, junto com "Timochenko", à direita (AFP)

Por fim, em um plebiscito com alta abstenção (mais de 60%), as opiniões se dividiram e o não ganhou por uma margem muito pequena. O agora Nobel da paz sofreu uma derrota inesperada, mas não pretende desistir do acordo, que entrou num impasse. Continuar o processo de paz - que é absolutamente necessário - exigirá toda a habilidade política do presidente colombiano, e ele, ao mesmo tempo, não pode desprezar as opiniões divergentes, que sentiram a violência das FARC e de todos os agentes da antiga guerra civil no país sul-americano. Pelo menos o prêmio, hoje, lhe garantiu uma vitória, ao menos momentânea, sobre os seus críticos. 

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