Depois do lançamento do Superman, o alienígena humanoide de Krypton capaz de várias proezas quando submetido à luz do nosso Sol amarelo, a indústria de quadrinhos interessou-se pelos personagens superpoderosos, iniciando a chamada Era de Ouro.
Criado por Joe Shuster e Jerry Siegel, o personagem não demorou a se popularizar, mas não gerou muitos benefícios aos seus criadores, pois os direitos ficaram com a National Publications, embora eles fossem bem pagos no início das publicações. Ele foi projetado muitos anos antes, inspirado no mito do Super-Homem nietzschiano e do velho desejo de onipotência.
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O Superman, na sua versão criada por Joe Shuster, até hoje é visto como o arquétipo do super-herói (Divulgação/DC Comics) |
Mais tarde, Siegel e Shuster foram dispensados e acabaram na pobreza. Siegel teve numerosas brigas judiciais, inclusive envolvendo a versão do Superman nos cinemas, enquanto Shuster acabou perdendo a visão.
Fora da National, e depois da DC, alguns personagens foram claramente inspirados no personagem vestido com o conhecido uniforme azul e vermelho e a "cueca em cima da calça" própria das roupas dos artistas de circo. O mais notório deles foi o Capitão Marvel, agora conhecido como Shazam, uma versão mais caricata e ingênua do Homem de Aço, que podia voar de verdade, enquanto o Superman limitava-se a dar saltos antes de, mais tarde, conseguir ganhar as alturas e desafiar os limites do espaço-tempo. As origens, no entanto, são bem diferentes, pois o "Paspalhão Vermelho", como era conhecido o personagem feito por C. C. Beck e por Bill Parker em 1939, era a versão poderosa de Billy Batson, um menino humano que ganhava a vida como repórter de rádio, enquanto Superman se disfarçava - de forma bem pouco convincente - como um distraído jornalista de óculos chamado Clark Kent. A National teve várias dores de cabeça com a concorrente Fawcett, uma das várias editoras surgidas neste período, onde Beck e Parker, e também outros artistas, bolavam as histórias do menino que gritava Shazam! para ter os poderes de seis grandes figuras míticas. Houve várias contendas judiciais, resultando na derrota e subsequente falência da Fawcett, em 1953. O nome "Capitão Marvel", mais tarde, acabou parando nas mãos da Marvel Comics para batizar outros personagens, a partir da Era de Prata, antes da Capitã Marvel.
O mundo estava sob grande tensão devido à ameaça nacional-socialista, e as ambições de Hitler para dominar a Europa e aniquilar os judeus resultaram na II Guerra Mundial. Muitos roteiristas e desenhistas estabelecidos na América eram judeus, o grupo étnico perseguido pela tirania do III Reich.
Editoras surgiram, para explorar o filão dos combatentes contra o nazismo. Surgiu a Timely Comics, "lar" de personagens como o príncipe Namor, o Tocha Humana (o primeiro era um androide chamado Jim Hammond) e o Capitão América, unidos para defender o mundo e fazer impor os valores norte-americanos. Este último, cria de Jack Kirby e Joe Simon, fez história ao aparecer logo na primeira edição da sua revista, acertando o nariz do tirano de bigodinho.
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Para infelicidade de muitos, não fazem essas coisas contra os tiranos atuais (Divulgação/Marvel Comics) |
A Quality Comics também surgiu neste período, publicando títulos como os Blackhawks, grupo de combatentes, o Homem Borracha e uma versão heroica do grande símbolo da América, o Tio Sam.
A Fawcett não colocou o Capitão Marvel para lutar contra a ameaça durante a guerra, salvo algumas histórias contra um personagem chamado Capitão Nazista, mas curiosamente colocou uma versão adolescente do herói, Capitão Marvel Jr., para fazer esse trabalho sujo, ao lado de alguns outros heróis, como o Megaespião (Spy Smasher). Outras editoras também colocaram heróis nessa tarefa, como a Archie, a Harvey, a Lev Gleason Publications (editora do primeiro Daredevil antes do personagem da Marvel com este nome), entre outras. De 1940 a 1945, heróis socando oficiais da SS e até mesmo o próprio Adolf Hitler eram muito populares, estimulando os norte-americanos a comprarem revistas e ajudarem a manter o espírito de combate. Os nazistas eram os principais "super-vilões", ao lado dos cientistas loucos como o Lex Luthor e o Doutor Silvana. Em geral, os vilões não tinham poderes especiais, nem mesmo o mais sinistro de todos eles, o Coringa.
Houve contratempos, como a disseminação de estereótipos racistas contra os alemães e seus aliados, os japoneses, vistos como fanáticos e violentos. Continuavam os retratos pejorativos de outras etnias, como os povos negros, os chineses, os árabes. Em geral, as histórias continuavam com enredos simplórios e maniqueístas, salvo algumas exceções, e não raro expunham animais, extraterrestres e até plantas como ameaças aos humanos e merecedores de extermínio.
Alguns heróis não ficaram conhecidos pela causa antinazista. Também havia interesse pelo terror, com personagens sombrios como o Terror Negro (Standard Comics), o Espectro (outro personagem de Jerry Siegel, publicado pela National) e várias entidades como fantasmas e vampiros. Com o fim da guerra, cresceu o interesse por histórias macabras.
Surgiram também alguns personagens que não se encaixavam bem no perfil de herói, como o já referido Namor. Este seria o primeiro "anti-herói", criado por Bill Everett, um soberano da Atlântida ávido por destruir a humanidade, considerada culpada pela poluição e devastação dos mares.
Também houve interesse por heroínas. A mulher aos poucos deixou de ser a mocinha indefesa e dependente do herói para se tornar ela própria uma combatente do crime. A maior representante foi a Mulher Maravilha, de William M. Marston, para a All American Publications, uma empresa do mesmo conglomerado da National. Outras personagens femininos de destaque foram a Miss América (Madeline Joyce) da Timely, a Miss Fury da Bell (criada por uma autora, Tarpé Mills), a Lady Fantasma da Quality Comics, Nyoka (adaptação de uma personagem de rádio) e Mary Marvel, ambas da Fawcett Comics.
Esta última e o já citado Capitão Marvel Jr. eram os jovens ajudantes (sidekicks) do Capitão Marvel em várias histórias da Fawcett, embora tivessem muitas tramas solo, destacando suas versões sem poderes, jovens extremamente vulneráveis (a irmã e o amigo paraplégico de Billy Batson). Os sidekicks tiveram um verdadeiro boom na Era de Ouro, com dezenas deles aparecendo, mas os mais notórios foram Bucky (Capitão América) e Centelha (Tocha Humana), ambos da Timely, e o Robin, ajudante de um certo personagem, o qual será exposto adiante.
O período também foi muito propício às histórias de mistério e detetive. Nessa época surgiu o antológico Spirit, de Will Eisner, em 1940, publicado na Quality Comics junto com outras criações do autor, como o "Tio Sam" heroico, e depois na Harvey e várias outras editoras, entre elas a própria DC (brevemente). Ele é um detetive mascarado e sempre misterioso, atuante numa cidade sombria chamada Central City e recebia a ajuda de um garoto negro (de início terrivelmente estereotipado) chamado de Ebony.
Outro detetive viria a se tornar um dos maiores justiceiros fantasiados de todos os tempos, concebido na Detective Comics, mais uma editora do mesmo conglomerado da National e da All American, e que inspiraria o nome da futura fusão dessas marcas, a DC. Trata-se de um certo cavaleiro mascarado, de feições sinistras e atitudes frias contra o submundo, criado por Bob Kane e Bill Finger. O Batman, de início, lembrava um pouco o atual "Cavaleiro das Trevas" com o agravante de muitas vezes matar os malfeitores, pois o código moral do homem morcego ainda não estava formado. Com o passar do tempo, ele foi suavizado, ganhou o parceiro Robin, começou a acumular uma galeria imensa de vilões antológicos com os quais ele não podia facilmente lidar, como o Coringa, o Pinguim, o Charada, a Mulher Gato e o Duas Caras (para citar apenas aqueles criados antes de 1956) e foi se tornando mais ajustado para o público infantil, mesmo antes de 1954, quando houve a publicação de um certo livro chamado "A Sedução dos Inocentes", que viria sepultar de vez a Era de Ouro. Este episódio será abordado na próxima postagem.