sexta-feira, 28 de junho de 2024

Da série 'Grandes marcas (sumidas) do Brasil', parte 2

Existe uma fábrica centenária ainda líder no setor de fogos de artifício, mas que já teve seus dias mais conhecidos, a Fogos Caramuru. 

Pode ser estranho pensar em algo com mais de cem anos ainda atuante, ainda mais neste país, mas esta empresa, antigo orgulho da cidade paulista de Jacareí, foi criada em 1915 pelo imigrante italiano Antônio Chieffi. Fabricando seus produtos desde então, a Caramuru era, nos primeiros anos, apenas uma marca, exibindo a cabeça de um índio com feição sisuda. 

Caramuru remete ao apelido do português Diogo Álvares Correia, cuja história é bem conhecida mas está repleta de lendas: ele teria atirado para o alto para se defender dos tupinambás na costa da Bahia. Os indígenas se assustaram e lhe deram o apelido, significando o "homem do pau que cospe fogo". Caramuru também era o nome dado a um peixe então comum na região costeira, a moréia. Ele conquistou o respeito dos nativos e se casou com Paraguaçu. 

A marca não remete nem ao fidalgo português e nem aos índios tupinambás, mas a um representante da tribo Cheyenne, nos Estados Unidos. Naquela época não havia nada de politicamente correto, muito pelo contrário. Era comum mostrar o índio como um selvagem, disposto a matar os homens brancos e fazer atrocidades como escalpelá-los, comê-los, encolher as cabeças deles, etc. Mas também era um sinônimo de valentia e força, para enfrentar ambientes hostis e desafiadores. 

Assim, os Chieffi enfrentaram o ambiente da economia brasileira, sempre hostil e desafiadora, até conquistar os clientes que procuravam sinalizadores e materiais explosivos para os mais diversos fins. Ganhou o mercado brasileiro e também o internacional, chegando a exportar para os Estados Unidos, onde fogos da Caramuru foram usados na inauguração da Disneylândia, em 1953. Países latino-americanos e europeus tornaram-se público consumidor da gigante brasileira em ascensão. 

O slogan "Se não tem a cabeça do índio, não é Caramuru" logo foi adotado, mas o outro, "Os únicos (fogos) que não dão chabu", se tornou mais conhecido nos últimos tempos. 

Antigo anúncio dos Fogos Caramuru, nos anos 1960


O logotipo atual da empresa

Durante as décadas de 1960 e 1970, no regime militar, a Caramuru diversificou seus produtos, passando a fabricar armas militares. Para isso, o filho do fundador, Biagino Chietti, fundou a FAM - Fábrica de Armas Modernas, mas também com a marca Caramuru. O designer Miguel Rasca trabalhou nos projetos dos revólveres, pistolas e rifles usados nas forças de segurança. Mas, em 1978, o negócio "deu chabu", e a fábrica dos Chietti voltou a se concentrar nos artefatos pirotécnicos. 

Foram instaladas fábricas na cidade vizinha de Jacareí, Santa Branca, e em Santo Antônio do Monte, em Minas Garais, com escritórios em São Paulo, sendo a mais antiga no Pari, na rua Tiers. 

Já nas décadas seguintes, a crise econômica atrapalhou os negócios, apesar do faturamento ainda ser muito alto, em parte devido às exportações. Com o final do século, houve também a concorrência dos produtos chineses, lembrando que a China tem séculos de tradição nesses produtos e foi lá onde foi inventada a pólvora, matéria-prima dos fogos. Assim, a Caramuru, embora ainda líder de mercado, se retraiu. Sua antiga fábrica em Jacareí fechou, e a produção se concentra em Santo Antônio do Monte. Os Fogos Caramuru, que nunca precisaram fazer propaganda ostensiva nos meios de comunicação, aparentemente estão sumidos da mídia, mas eles continuam tocando os negócios e enfrentando os desafios, como um bravo guerreiro. 

Os negócios ainda não deram chabu para esta centenária fabricante, ao contrário do cenário econômico brasileiro, ameaçado pela política governamental e pelo desastre no Rio Grande do Sul. 

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