sexta-feira, 5 de maio de 2017

Da série 'Noventolatria', parte 7

A política no final do século XX era marcada por uma pitoresca figura cuja aparição era em geral bem rápida no horário político, mal passando de um minuto no máximo, e terminava sempre com a frase, aos berros: 

- MEU NOME É ENÉAS!

 
Enéas (1938-2007) foi um dos nomes da política brasileira nos anos 1990: Meu nome é Enéas!!! (Divulgação)

Faz exatos 10 anos que sua fisionomia excêntrica, calva, adornada com óculos grossos e uma grande barba tingida de preto, não aparece mais, pois a 6 de maio de 2007 uma leucemia pôs fim à vida do doutor Enéas Ferreira Carneiro, médico cardiologista nascido no Acre em 1938 e orgulhoso de ter sido um dos melhores alunos desde o ensino fundamental, antigo primário, até a faculdade.

Fundou o pequeno Partido da Reedificação da Ordem Nacional, o Prona, um dos vários partidos "de aluguel" que infestaram e ainda infestam a nossa política, só para concorrer às eleições de 1989. Sem coligações, ele teve só 15 segundos para falar, quase aos berros e ostentando uma gramática pouco comum de tão castiça, cheia de termos pouco empregados pela maioria dos brasileiros. Até surpreendeu, com 360 mil votos, sendo o mais votado dos candidatos ditos "de aluguel", e superando alguns nomes mais tradicionais como Fernando Gabeira. 

Contudo, os anos 90 foram o auge da carreira do Dr. Enéas. Enquanto se preparava para a próxima eleição, fez pequenas aparições em comerciais e como comentarista político no sensacionalista "Aqui Agora". Para se tornar mais conhecido, aproveitou as propagandas políticas da época, longuíssimas (cerca de 1 hora de duração), para expor suas ideias: nacionalismo, defesa da família e dos valores tradicionais e, principalmente, ser contrário a todos os demais políticos e outros fatores que ele considerava geradores de "desordem" como: aborto, homossexualidade, drogas, ação de multinacionais e potências estrangeiras, patrimonialismo, comunismo e desvalorização das escolas. Logo os analistas políticos perceberam que não se tratava apenas de um político folclórico, mas de alguém alinhado com a chamada "direita política", em sua vertente antiliberal (a chamada "direita tradicional" defende valores mais democráticos e a favor da livre iniciativa e das multinacionais). 

Em 1994, sem tantos candidatos à Presidência, ele conseguiu "bem" mais tempo: 77 segundos, contra os 15 anteriores. Foi o suficiente para ele expor seu programa nacionalista e conservador, criticando os outros candidatos em termos duros como "pacóvios", "apedeutas", "pascácios", "biltres", "caterva", "súcia" e usando seu vasto vocabulário, sem concessões às palavras de "baixo calão". Insinuava que Fernando Henrique Cardoso se baseava numa fraude chamada "Plano Real" (o responsável pelo controle efetivo da inflação em nosso país) para se eleger, e destratava Lula, chamando-o de despreparado e sem instrução. Muita gente que não se identificava com um ou outro deu razão às críticas do doutor e deu a resposta nas urnas: 4,6 milhões de votos. Um fenômeno eleitoral, que o estimulou a ousar mais nos anos seguintes, mas com resultados contraproducentes.

Gritou contra o Plano Real, foi contra a globalização vigente na época, viu ações das potências estrangeiras (em tom de teoria conspiratória) para sugar os recursos do Brasil, principalmente o nióbio, metal usado na alta tecnologia e cujas maiores reservas se encontram no Brasil. Passou também a utilizar o primeiro movimento da Quinta Sinfonia de Beethoven para dar mais "dramaticidade" às suas falas. Aumentou os ataques à imprensa, chamando-a de "podre", reagindo aos jornalistas que o viam como antiliberal, defensor do autoritarismo e profissional relapso, por supostamente faltar muito às suas obrigações como médico. Sobretudo, passou a defender o aumento dos gastos militares e a fabricação da bomba atômica. Isso e mais o fato de ter menos tempo na próxima campanha presidencial - 35 segundos - o fez perder votos e ser visto como um neofascista esquisitão. Ganhou "apenas" 1,4 milhão de votos.

Nesta época, seu bordão foi modificado para Meu nome é Enéas, 56!, para reforçar o número da legenda de seu partido. 

Depois, pressentindo novos fracassos como candidato à Presidência, resolveu violar a sua promessa, registrada em cartório, e candidatar-se a outros cargos. Em 2000, foi candidato a prefeito, sem sucesso, mas conseguindo eleger como vereadora a Dra. Havanir, sergipana que imitava bem o modo irritado de falar do seu mentor político, inclusive com o bordão Meu nome é Havanir!

No século XXI, como deputado federal. Foi eleito, com 1,57 milhão de votos, e ainda conseguiu eleger cinco outros partidários, no famigerado "quociente eleitoral" que beneficia políticos sem expressão e sem votos atrelados a uma figura popular. Todavia, já não teve o mesmo apelo junto ao eleitorado e sua saúde piorou, devido a uma leucemia. Por fim, foi obrigado a raspar a barba e adaptar seu jargão para Com barba ou seu barba, meu nome é Enéas, 5656! 

Por fim, ele faleceu, deixando o horário eleitoral menos interessante, mas ainda com um monte de candidatos bizarros "puxadores de votos". Para os seus seguidores, o Dr. Enéas era uma figura brilhante, cujas ideias poderiam trazer ordem e progresso ao Brasil (a doutrina do doutor, publicada em folhetos, tem influência positivista, como em certos pensamentos militares no século XX). Para outros, não passava de um fascistóide amalucado, embora não neguem sua capacidade intelectual. Mas deixou saudade, ainda mais em um tempo onde os valores conservadores e tradicionalistas estão voltando a ganhar força após o trágico legado de um governo dito "progressista" do PT. 


Abaixo, alguns vídeos onde ele aparece com sua barba, óculos e a famosa frase. São apenas as dos anos 90, para não fugir da temática "noventólatra", portanto não veremos o ilustre político sem barba e nem as primeiras aparições da eleição presidencial de 1989 - elas também estão disponíveis no Youtube. Também é de 1989 uma declaração marcante dada no final do programa do Jô, então no SBT, que já mostra o seu gosto pelo vernáculo, mais evidente nos anos 1990 e 2000:

"O dado mais importante que separa o ser humano de todos os seus irmãos e primos da escala filogenética (os macacos) é o conhecimento; só o conhecimento liberta o homem, só através do conhecimento o homem é livre e em sendo livre: ele pode aspirar uma condição melhor de vida para ele e todos os seus semelhantes. Só consigo entender uma sociedade na qual o conhecimento seja a razão de ser precípua (principal) que o governo dá para a formação do cidadão. Minha mensagem é positiva, é de que o homem tem de saber, conhecer e em conhecendo ele é livre. Muito obrigado, meus amigos! E meu nome é Enéas! (risos)" 

 Uma das propagandas do barbudo em 1994, que expõe seu arraigado nacionalismo

Trechos da propaganda de 1998, onde ele faz duras críticas aos outros partidos

Em entrevista com o também contraverso Boris Casoy, Enéas defendeu a bomba atômica, mote de sua campanha em 1998

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