sexta-feira, 18 de junho de 2021

Da série "Filósofos estudam o Brasil", parte 7

Em 2009, quando o blog ainda era batizado como "Salada de Assuntos", foi feita uma entrevista fictícia com Niccolò Macchiavelli, vulgo Maquiavel, um dos filósofos mais proeminentes do Renascimento e o primeiro a analisar a política real e não a ideal, como fizeram antes Platão, Aristóteles e os pensadores medievais. 

Para ler a entrevista, clique AQUI

12 anos depois, o antigo "Salada de Assuntos" mudou de nome, as circunstâncias políticas mudaram, e temos aqui mais uma entrevista com o pensador. 

Busto de Niccoló Macchiavelli (1469-1527) no Palazzo Vecchio de Florença

Assuntos 1000: É um prazer termos aqui o grande Niccolò Machiavelli de volta. Para não lhe tomarmos muito tempo, gostaria apenas de deixar as suas impressões sobre o Brasil. 

Maquiavel: Em primeiro lugar, gostaria de reafirmar tudo o que foi afirmado neste espaço anteriormente. Um governante deve saber agir de acordo com o momento. É o que vocês, do século XXI, chamam de governança pragmática. Em segundo, vejo que as circunstâncias políticas desta nação mudaram, para pior. 

Assuntos 1000: Poderia ser mais específico?

Maquiavel: Indubitavelmente. O ambiente político piorou, em decorrência da avidez e da concupiscência dos governos anteriores, criando o ambiente favorável para movimentos de revolta. Confiante na sua visão política, o ex-presidente de vocês, conhecido mais pela alcunha de Lula, escolheu uma mulher completamente despreparada para lidar com o ambiente político. Não pelo fato de ser mulher, mas por ser politicamente inepta. Além disso, tanto o ex-presidente quanto os seus seguidores não fizeram questão de esconder suas más práticas, utilizando-se dos bens públicos como se fossem suas propriedades particulares. 

Assuntos 1000: Em seu tempo, isso era frequente. 

Maquiavel: Sim, e isso era encarado com normalidade em meu tempo, mas não no de vocês. Devemos analisar os costumes de acordo com as épocas. Mas, continuando, a corrupção continuava entre os partidários da então presidente Dilma, enquanto ela tentava, sem sucesso, vender sua imagem de gestora, mas tornando-se conhecida pelos seus desastrosos pronunciamentos, dos quais eu teria muito esforço para tentar compreendê-los. Os desvios prejudicaram a economia do país, inclusive no combate à fome e à miséria, uma marca do início do governo Lula responsável pela sua popularidade. Os movimentos contra a corrupção mostraram o descontentamento do povo, e muitos, naturalmente, engajaram-se de forma oportunista. 

Assuntos 1000: Isto sempre acontece na política, não só no Brasil. 

Maquiavel: Não devemos esperar o contrário. O atual presidente aproveitou-se do momento e utilizou-se da sua imagem de austeridade e defesa dos bons costumes, que foram negligenciados durante o que se costuma chamar de petismo. Havia o temor da degeneração política e econômica resultar no desastre da Venezuela, um país que cometeu o erro de adotar as irreais práticas comunistas, essa ideia criada para tentar corrigir a desigualdade entre pessoas naturalmente desiguais, no que eles chamaram de bolivarianismo, numa apropriação própria de gente fantasiosa, vendo estadistas do passado sob sua ótica distorcida. Estatizar tudo e tentar distribuir a riqueza entre a população é mais fácil num país menor e com economia menos complexa como a Venezuela, mas acharam possível isso acontecer no Brasil, um país gigantesco e complexo, onde boa parte da população não aceita o comunismo. 

Assuntos 1000: Quem achou possível a socialização da economia, os petistas então no poder ou os seus opositores?

Maquiavel: As pessoas alheias à complexidade do Brasil, das duas matizes políticas em conflito. No caso dos então opositores que mais tarde chegaram ao poder nas eleições presidenciais recentes, essa ideia se tornou uma arma política para a obtenção do poder. Os governantes antigos, entregues aos excessos políticos, tentaram resistir, mas os movimentos anti-corrupção tiveram o apoio de parte do poder público, que passou a revelar todas as fraudes e malfeitos. A presidente foi facilmente deposta, passando o poder para o vice-presidente, mas este também não despertou a confiança entre os defensores de melhores práticas políticas. Jair Bolsonaro era visto como capaz de atender a esses anseios, e soube aproveitar inclusive o atentado a faca do qual ele sofreu. 

Assuntos 1000: Há quem duvide deste atentado em Juiz de Fora, insinuando tratar-se de uma farsa. 

Maquiavel: Esta foi a versão apresentada pelos defensores do antigo status quo, mas a tese vencedora é a de um ataque real. Bolsonaro usou esta e outras armas para chegar ao poder, dentro das regras políticas vigentes em seu país. 

Assuntos 1000: Mas ainda não ficou claro sobre o porquê das circunstâncias políticas estarem piores, de acordo com a sua visão. 

Maquiavel: A polarização política entre os partidários do antigo e do novo governo foi aos poucos comprometendo as relações sociais e as discussões políticas, que nunca foram muito amadurecidas em seu país, se transformaram em brigas, O governo anterior poderia ter poupado recursos para melhorar a economia e a educação, mas não fez isso. E o atual se aproveitou desse momento para conseguir o poder, e uma vez nele, cercou-se de pessoas sem preparo nem conhecimento, não necessariamente mal intencionadas, com o afã de moralizarem a República. 

Assuntos 1000: Há indícios de crimes envolvendo alguns dos atuais ministros, como Ricardo Salles, do Meio Ambiente, acusado de envolvimento em contrabando de madeira. No seu entender, isso atrapalha a imagem do governo se vender como agente da moralização?

Maquiavel: Como deve compreender, um governo deve saber vender a sua imagem se quiser ser bem sucedido. Muitos estão notando incoerências entre o dizer e o fazer no governo Bolsonaro, apesar do seu empenho em sua defesa de uma "nova política", um termo vago mas ainda de muito apelo. Uma das coisas que noto é o desmantelamento dos movimentos anti-corrupção, que certamente ajudaram o presidente, mas agora estão sendo neutralizados antes de se voltarem contra ele. Mas o que faz o povo se sentir contente com seu governo é a situação econômica antes de tudo. E ela não melhorou, pois não foram criadas condições sustentáveis, durante a crise política, para evitar a piora da miséria e a volta da fome. Aliás, tudo piorou com a peste que está atacando o mundo em sua época, ceifando vidas, prejudicando as economias, levando à seclusão das pessoas, muitas delas arraigadas em sua visão de mundo, no que vocês chamam de bolhas sociais. 

Assuntos 1000: Esta é a pandemia de uma terrível doença respiratória, chamada COVID-19, capaz de se espalhar facilmente pelo ar e pelo contato direto. Até agora matou 500 mil pessoas apenas no Brasil. Qual o seu conselho para os brasileiros, após o hipotético fim da pandemia? E para o governo?

Maquiavel: Sabemos que epidemias não duram para sempre, e assim que esta peste cessar, os brasileiros deverão voltar às suas atividades normais, e abster-se de discussões inúteis movidas por visões de mundo estreitas e em desacordo com a realidade, e, sim, devem confiar na ciência de seu tempo. Deveriam se orgulhar de seus conhecimentos científicos serem mais sofisticados do que na minha época, o século XVI. Isso não significa defender cegamente os cientistas, apenas para contestarem seu governo aparentemente ignorante dos perigos desta peste, sem eles próprios, os críticos do mesmo governo, tomarem os devidos cuidados. Quanto ao presidente, ele está empregando seu repertório para manter a popularidade e manter o controle. Isso é natural de qualquer governante, cujo anseio é sempre manter-se no poder. Mas ele precisa avaliar bem os seus recursos para isso, e não se limitar apenas às palavras e aos discursos com seus simpatizantes, pois o grosso da população se deixa influenciar por ações, a não ser que o governante seja brilhante orador, e isso não é o caso neste seu país. Por fim, é curioso ver o presidente agir como muitos do século XVI, julgando-se imunes às pestes graças às suas convicções e procurando mostrar sua coragem enfrentando o perigo sem as defesas e os conhecimentos propícios. Isso costuma não dar certo. 

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